sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

DAMO, MOAMBA, PROVINCIA DE MAPUTO , GILDA MONJANE LEVOU ENERGIA ELÉCTRICA PARA ESTE PONTO DE MOÇAMBIQUE, BOA NOTICIA 2016

QUANDO chegámos a Damo, na Moamba, província de Maputo, estava lá o chefe da localidade, Maguaza Machel, a tomar um vinho debaixo de uma árvore frondosa, ladeado pelos filhos e as suas três esposas.
Convidou-nos a sentar. Em breves palavras, Maguaza, reformado dos Caminhos de Ferro de Moçambique, falou-nos do desenvolvimento que a localidade vem registando nos últimos tempos, embora tenha lamentado a falta de água, sobretudo porque não está a chover. “Foi graças a uma mulher, Gilda Monjane, a nossa vitelina, que temos energia na localidade. Trouxe-nos o projecto dos painéis solares. Hoje já não usamos candeeiros a petróleo ou velas para iluminar as nossas casas à noite. Ajudou a muitas famílias”, animou-se o idoso, de 83 anos, pai de 46 filhos e avô mais de 120 netos.
Com os painéis solares a comunidade consegue ainda recarregar os telemóveis e os computadores, tal como referiu um dos filhos de Maguaza, que pretende fazer um curso superior à distância. “Inscrevi-me para fazer licenciatura em gestão ambiental à distância porque já tenho como recarregar o computador. Antes era impossível pensar em fazer um curso à distância, mesmo para estudar era difícil nas noites, pois esforçava muito a vista”, disse Agostinho Machel.
As famílias de Damo recordam tempos em que se sentiam forçadas a usar lenha durante a noite para iluminar no interior da casa, o que colocava em risco a saúde devido à inalação do fumo. Outros falaram de vizinhos que viram suas casas queimarem e alguns a morrer devido ao perigo do uso da vela e “xiphefo” (candeeiro de fabrico caseiro).
Armando Lamule contou-nos o episódio que um dos seus vizinhos passou. Teria comprado cinco litros de petróleo e alguma gasolina e deixado no interior da casa. A mulher sem saber pegou na gasolina e colocou dentro do “xiphefo”. Ao acender provocou uma explosão. Felizmente, ela conseguiu salvar-se, mas a casa queimou com todos os bens.
“O vizinho ficou sem casa, sem a motosserra, que era o seu instrumento de trabalho, tudo isso por causa do uso do xiphefo devido à falta de energia”, lamentou.
Apesar de terem de contribuir com algum valor para adquirir os painéis solares, os residentes de Damo avaliam a iniciativa de forma positiva, porque usando correctamente o painel a bateria pode durar até quatro anos e depois renova-se.
Contudo, a população daquela localidade deseja mais. Umas baterias que lhes permitam fazer o uso de electrodomésticos, como congeladores. Explicam que esses aparelhos facilitariam ainda mais as suas vidas, pois teriam como conservar os alimentos. “Quando abatemos uma cabeça de gado bovino, por exemplo, somos obrigados a comer em menos tempo possível para não se deteriorar, o que não é saudável”, refere Lamule.
USAR A ENERGIA SOLAR PARA EMPODERAR A MULHER
Usar a energia solar para ajudar a minimizar as dificuldades do dia-a-dia da vida das mulheres é o que Gilda Monjane tem vindo a incutir no seio das comunidades rurais em diversos pontos do país, através do projecto “Lojas de Energia”, tendo já distribuído painéis solares para cerca de cinco mil famílias.
O trabalho é feito em coordenação com outras pessoas, a maioria do sexo feminino, e consiste na sensibilização para uso produtivo de energias renováveis como forma de contribuir para a criação de renda assim como evitar a poluição do meio ambiente.
As mulheres, algumas sem formação escolar, são seleccionadas na comunidade, sensibilizadas sobre a vantagem do uso de energias renováveis e depois treinadas a montar painéis solares e na venda dos acessórios necessários para o uso do sistema.
Segundo Gilda Monjane, “Lojas de Energia” é uma adaptação de uma maneira nova de fazer chegar formas renováveis de energias limpas, sustentáveis e amigas do meio ambiente às zonas rurais, sobretudo as não electrificadas ou as zonas electrificadas mas que a distribuição na zona das casas dispersas ainda é problemática.
Nas “Lojas de Energia” as comunidades fazem o carregamento de telemóveis e de baterias de lâmpadas solares recarregáveis. Em algumas lojas já se pode adquirir lâmpadas de baixo consumo. Uma particularidade das lojas já abertas é o facto de a maioria estar a ser gerida por mulheres. Portanto, 25 das 35 existentes pertencem a mulheres.
“Com esta prática as mulheres ganham uma certa autonomia financeira, o que contribui para o seu empoderamento económico. Nos agregados familiares chefiados por mulheres o valor ganho nestas actividades contribui para o sustento das famílias mas mesmo em agregados chefiados por homens o valor contribui para aumentar a renda familiar”, sublinhou.
O preço de aquisição do kit contendo material completo para fornecer energia no mesmo dia em que a pessoa adquire varia de 1500 a 6500, meticais para iluminação, consoante as necessidades de cada família.
Para outras finalidades, como refrigeração e uso de electrodomésticos ou de outra natureza, pode custar mais devido à necessidade das baterias adicionais para abastecer os electrodomésticos.
As “Lojas de Energia” começaram a fornecer material para bombeamento de água com recurso a sistemas solares. “Devido ao custo elevado destes sistemas recorre-se ao pedido de financiamento por doadores para as comunidades rurais como forma de alívio à jornada de trabalho das mulheres para permitir que estas ganhem tempo para outras tarefas produtivas tendentes ao seu empoderamento”.
EMPREENDER PARA DESENVOLVER
Gilda Monjane é casada e mãe de três filhos. Revelou-nos que concebeu a iniciativa depois de ter feito um trabalho de campo para a recolha de dados para a sua tese de mestrado nas zonas rurais. Constatou que a falta de energia dificultava a vida das famílias, limitando o bem-estar.
Em algumas regiões tinham sido capacitados indivíduos do sexo masculino para ajudarem as comunidades a usarem a energia fotovoltaica, pois nas referidas comunidades lidar com energia é considerado papel do Homem.
Porém os homens capacitados imigraram para as cidades e para outros países à procura de emprego e melhores condições de vida, ao contrário das mulheres, que não têm imigrado com frequência.
Sustentando-se da teoria de Amartya Sen, que olha para o desenvolvimento como liberdade, decidiu promover certas iniciativas que podiam devolver algumas liberdades dos indivíduos, acreditando que depois da independência política as pessoas podiam ganhar independência social com recurso a energia solar.
Gilda Monjane desafiou os “papéis de género”, trocando a ideia de que apenas os homens é que devem ser capacitados para lidarem com energia fotovoltaica e outras formas de energias. Participou num curso de formação em reparação e montagem de sistemas fotovoltaicos. Com a ajuda de um Prof. Catedrático da Universidade Eduardo Mondlane conseguiu fazer parte do grupo dos estudantes empreendedores a serem capacitados.
Depois expandiu o número de mulheres que fazem esse trabalho, capacitando mais indivíduos, com destaque para a participação das mulheres.
Gilda Monjane concebeu a ideia de “Lojas de Energia” para as zonas rurais desfavorecidas a contar com participação de mulheres como principal grupo-alvo para a gestão das mesmas. Solicitou o registo formal da iniciativa e foi aceite. Hoje conta com 35 lojas a nível nacional, das quais 25 são geridas por mulheres e 10 por homens.
PREMIADA INTERNACIONALMENTE
O trabalho realizado por esta mulher mereceu distinção internacional. Em 2013 esta iniciativa foi avaliada pela primeira vez a nível internacional e eleita em primeiro lugar num concurso que pretendia seleccionar 20 iniciativas relevantes para o empoderamento do género.
O prémio foi entregue na Alemanha, em Bona, no Frauenmuseum (Museu das Mulheres). Coube à distinção o facto de a iniciativa estar a ser promovida por uma mulher e ao montar painéis solares nas casas contribuir para quebrar as desigualdades de género, para além de contribuir na promoção do desenvolvimento das comunidades rurais.
Em Junho deste ano Gilda Monjane participou numa Conferência do Clima, na Alemanha, a convite da UNFCCC. Fez a apresentação do seu trabalho no âmbito das iniciativas que dão resposta ao empoderamento do género (Gender Responsive Initiatives). A ideia pode ser promovida para outros países com pobreza de energia, como Moçambique.
Ainda este ano Gilda Monjane foi solicitada a fazer parte da reunião de peritos (Expert Group Meeting) para apoiar com seus conhecimentos e experiência prática na produção do documento “Technical Climate Solutions”, que retrata soluções técnicas a favor do meio ambiente para apresentação durante a reunião de COP21 na França, que decorreu de 1 a 11 de Dezembro. De referir que durante o COP21 foi lançada uma publicação que pretende tornar as iniciativas globais, sobretudo as que são lideradas por mulheres mais visíveis, como forma de trazer as suas vozes. A iniciativa “Lojas de Energia” consta da publicação. O trabalho de Gilda Monjane mereceu destaque na I Conferência Internacional sobre Igualdade de Género e Empoderamento da Mulher, que decorreu em Maputo.
EVELINA MUCHANGA"
FONTE: JORNAL NOTICIAS DE MOÇAMBIQUE

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