"A mulher do leme
por Catarina Pires Fotografia de Gerardo Santos/Global Imagens
Em seis anos, a presidente do Conselho de Administração do Porto de Sines
reduziu a zero uma dívida de 78 milhões de euros, modernizou a gestão e garantiu
as certificações de qualidade, ambiente e segurança. E ainda expandiu o negócio,
fechando 2011 com lucros de oito milhões e fazendo deste o maior porto
exportador do país e número um em carga movimentada. Galardoada com o prémio de
Líder na Gestão de Empresa Pública, Lídia Sequeira quer agora
pôr o porto de Sines no seu devido lugar: o centro do mundo. O aperto de mão é firme, o olhar direto, o discurso claro e pausado. A meia
hora concedida para a conversa triplica, pelo entusiasmo que o assunto lhe
merece - a administração do porto de Sines ocupa quase toda a vida de Lídia
Sequeira. E apesar de as greves no setor portuário não estarem no horizonte no
início do verão, quando falámos, provavelmente não as comentaria, como não as
comenta agora.Nascida há 67 anos em Viseu, «zona de sequeiro», o mar sempre a fascinou.
Durante os muitos anos que viveu em Lisboa, os sábados de manhã eram ritualmente
passados à beira-mar. «Primeiro com os miúdos, depois sem eles, porque crescem e
cada um tem o seu programa. Mas aquela manhã de sábado sempre foi preciosa, um
bálsamo sobre o stress da semana.» O ritual passou a ser diário desde
que, em 2005, trocou Lisboa por Sines. Ao fim do dia, mesmo quando o cansaço
pede tréguas, não claudica, calça os ténis que tem sempre no gabinete e lança-se
numa hora de caminhada junto ao mar. «Garanto-lhe que é retonificador. O mar é
uma coisa absolutamente fantástica.»A hora a que o dia acaba não é certa. Pode chegar às dez da noite. «Trabalho
até acabar. Não gosto de deixar coisas para o dia seguinte.» Será esse um dos
segredos da gestão de Lídia Sequeira ao leme do porto. Se alguém imaginou que o
cargo de presidente de conselho de administração era para exercer à distância e
de forma honorífica, enganou-se. «Comigo isso é impossível, aqui ou em qualquer
lugar. Penso que temos de ter uma relação de proximidade com as questões. Tenho
de ter uma informação muito detalhada sobre tudo e estou sempre lá. Nunca fujo a
um problema.» Quando assumiu a liderança da Administração do Porto de Sines, em 2005, tinha
uma dívida de 78 milhões de euros. Reduziu-a a zero em 2011. No contexto atual,
parecerá uma proeza, mas a gestora relativiza. «Se tivéssemos começado mais
tarde teria sido mais difícil. As coisas foram feitas no momento certo. Antes da
crise já tínhamos iniciado o saneamento financeiro da empresa. No primeiro ano,
vendemos um conjunto de ativos que não estavam diretamente ligados à atividade
portuária, alguns imóveis que não se justificava manter, e fizemo-lo numa altura
em que o mercado imobiliário estava ainda muito interessante. Foi à custa dessas
receitas extraordinárias que conseguimos um primeiro ano com resultados
positivos.»
A partir daí foi arregaçar mangas e tomar medidas estruturais para garantir
que o porto deixasse de dar prejuízos e passasse sustentadamente a dar lucros.
«Procedemos também logo no início à concessão do terminal de granéis líquidos,
que tínhamos sob exploração direta, abrindo um concurso público internacional e
fizemo-lo igualmente numa excelente altura. Além disso, foram renegociados
contratos e delineadas estratégias para reduzir a despesa e aumentar a receita.
No segundo ano, já fruto do desenvolvimento da atividade, passámos a ter
resultados líquidos positivos. Finalmente, estávamos em condições de fazer o
grande investimento de construção do molhe leste, que ficará concluído no fim de
agosto e dará proteção à obra de ampliação desenvolvida pela PSA [Port of
Singapure Authority], concessionária do terminal XXI [de contentores] que
passará a ter uma capacidade de um milhão de TEU [unidade de carga], quatro
vezes mais do que a atual. Um investimento de quarenta milhões de euros sem
recurso ao orçamento de Estado.» . Hoje, normalizados os rigorosos procedimentos que garantem as certificações
de qualidade, ambiente e segurança, este porto de águas profundas afirma-se como
a porta atlântica da Europa, principal ativo energético nacional, líder em carga
movimentada, pertencendo ao número restrito de infraestruturas que recebem os
maiores navios, e maior porto exportador do país, operando com equipamentos de
última geração e instrumentos de gestão portuária modernos - como a Janela Única
Portuária ou o Cartão Único Portuário - que simplificam os processos, reduzem
custos, aumentam a produtividade e a operacionalidade, colocando-o entre os
melhores e mais competitivos do mundo. «Neste momento, vou a portos estrangeiros
em relação aos quais ficava extasiada há sete anos e agora posso dizer que já
estamos mais à frente.»Formada em Economia, quando eram poucas as mulheres a seguir o caminho dos
números, escolheu trabalhar no setor público por convicção. A aspiração era
mudar o mundo. E em certa medida mudou. «Sim, tinha essa ideia e, onde tenho
chegado, tenho mudado sempre alguma coisa. Naquela época [1972], muita gente
escolhia o setor privado porque se ganhava mais. Fui a várias entrevistas, mas
quando cheguei à Direção-Geral de Transportes Terrestres (DGTT) pensei "é isto
mesmo que quero". Os transportes são um setor transversal da nossa economia e
lidar com este setor é lidar com o que é essencial para a vida das pessoas e
para a economia nacional. Sempre me senti muito realizada com a minha opção de
vida.» Entre os diversos cargos de topo que ocupou ao longo da carreira na DGTT,
incluindo o de subdiretora-geral, um dos primeiros foi particularmente
gratificante: a coordenação da equipa para a Planificação e Implementação das
Redes de Transporte Escolar, entre 1977 e 1984. «Foi um trabalho que considerei
extremamente importante. Mostrou-me uma realidade deste país que as pessoas
estão longe de conhecer. Não imagina o que foi fazer o recenseamento de todas as
crianças que não iam à escola por não terem transporte e depois encontrar,
planeadamente, a forma mais eficiente e ao mais baixo custo de as levar,
estivessem onde estivessem, e assim permitir que todas as crianças portuguesas
tivessem oportunidade de ser escolarizadas até ao nono ano, que era o ensino
obrigatório. Foi muito interessante.» Não é a primeira vez que o seu trabalho é reconhecido publicamente - em 1990
recebeu das mãos do presidente da República Mário Soares a condecoração de
Oficial da Ordem do Mérito - mas este ano foi agraciada com o prémio Líder na
Gestão de Empresa Pública (Business Leader Awards), o que traz à baila o tão
debatido setor empresarial do Estado que afinal até pode dar lucro.«Em Portugal,
temos portos com uma excelente saúde financeira e Sines é um deles. Da última
distribuição de resultados [oito milhões de euros], cinquenta por cento ficaram
como resultados transitados, que reforçam a capacidade de investimento da
empresa, e os outros cinquenta foram distribuídos para o acionista Estado.»
Trata-se pois de onde quer a sociedade colocar o azimute. Um dos azimutes que se abriu com a chegada de Lídia Sequeira ao porto de Sines foi o de género. Num ambiente ainda muito dominado pelos homens, a entrada de uma mulher, e logo como presidente do conselho de administração, provoca mudanças. Onde não havia sequer uma diretora, hoje há duas. «As coisas estão a mudar e penso que daqui a vinte anos já será tudo diferente. Se forem aos terminais, verificarão que já não é a força física que determina um excelente operador portuário. Tudo está altamente mecanizado e comandado à distância e portanto não é difícil para uma mulher desempenhar esse tipo de função.» O que não significa que não exista resistência: «Uma senhora teve a ousadia» de concorrer a essas funções e ficar classificada, para logo a seguir ver levantado o problema de não existirem balneários femininos. «São dificuldades que se resolvem. Hoje, temos mulheres na segurança, domínio-chave num porto desta natureza, que trabalha com matérias perigosas. E no terminal de contentores há senhoras a guiarem os drive ins, uma tarefa que implica seguir muito rigorosamente o planeamento da operação que está instituído e que exige muita concentração. Mas nisso as mulheres são excelentes. Incentivo sempre as senhoras a considerarem-se aptas para este tipo de tarefas. Claro que têm um regime de turnos, mais complicado de conjugar com a vida familiar, que inevitavelmente recai sempre mais sobre a mulher, mas nós entendemos isso com um sentido de grande responsabilidade. O êxito ou inêxito dos filhos recai sempre sobre nós e assumimo-lo plenamente.»Lídia Sequeira sabe do que fala. Os filhos e os netos estão sempre presentes na sua vida e percebe-se que não é só através das fotografias, que ocupam lugar central na secretária de trabalho. Também não foi fácil para a gestora, quando os filhos eram pequenos, conciliar carreira e vida familiar. «Era impossível assumir determinado tipo de funções. Por exemplo, quando trabalhei nas negociações com a Comunidade Europeia na área dos transportes, que me exigiam uma deslocação quase permanente a Bruxelas, só pude fazê-lo porque os miúdos já tinham 9, 10 anos e um mínimo de autonomia. Ninguém deixa um miúdo de 3 anos dois dias esta semana e outros dois na semana seguinte... Depois ganham autonomia e a dada altura já nem querem saber de nós. Isso é ótimo porque quer dizer que a nossa missão está cumprida.» E isso não a impediu de chegar onde chegou profissionalmente. Na opinião de Lídia Sequeira existem diferenças na liderança quando são as mulheres que estão à frente. «Penso que há uma maior proximidade das pessoas e dos problemas por parte das mulheres. Se tenho alguém que tem um problema familiar e que me diz que durante os próximos dois meses vai ter dificuldades em termos de assiduidade, por exemplo, não consigo alhear-me de que aquele problema existe quando penso naquela pessoa, e pergunto com frequência como estão as coisas, genuinamente. Acho que esta preocupação é uma caraterística feminina, porque já passámos por isso e sabemos que não é fácil de gerir.»Talvez por isso, se tivéssemos ido almoçar ao refeitório do porto de Sines, provavelmente encontraríamos lá a presidente do conselho de administração, entre os restantes trabalhadores. «Sempre gostei muito, não é só aqui, de ir almoçar aos refeitórios, porque ali consegue conviver com as pessoas, há uma relação de ombro a ombro... Há quem diga que eu devia andar mais pela casa, mas não tenho tempo, além de que não resolvo absolutamente nada, é um pouco de show off. Mas se almoçar todos os dias com as pessoas, consigo aperceber-me de um conjunto de coisas, problemas ou não, que de outra forma não perceberia.»Outro hábito que tem, nem sempre visto com bons olhos, é o de receber os trabalhadores com questões que querem colocar à administração. Depois das seis da tarde, quando os telefones tocam menos e a maioria das pessoas já saiu, Lídia Sequeira dispõe-se a ouvir todos os problemas. E a dar-lhes resposta, seja ela qual for. «Há coisas que você fica a saber e não sabia antes, com o simples facto de receber uma pessoa às seis da tarde. E esse é também um importante instrumento de gestão.»Com uma visão estratégica e a capacidade de mobilizar e galvanizar equipas, aquilo que na sua opinião distingue um líder, Lídia Sequeira está prestes a concluir a implementação do Plano Estratégico herdado do Conselho de Administração (CA) que a precedeu e que tinha como horizonte o ano de 2014. O cunho pessoal foi colocado na forma de o pôr em prática. «Seria um disparate perder-se um trabalho que levou dois anos a fazer pelo CA anterior. O que fiz foi definir a metodologia para a sua implementação, que neste momento está praticamente concluída. Agora há que fazer outro, com mais ambição.»" FONTE DIÁRIO DE NOTICIAS.
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