quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

3 DE FEVEREIRO DIAS DOS HEROIS MOÇAMBICANOS, EDUARDO CHIVAMBO MONDLANE FUNDADOR DA FRELIMO FOI ASSASSINADO COM UM LIVRO BOMBA A 3 DE FEVEREIRO DE 1969, UMA VERSÃO DA HISTÓRIA E DOS FACTOS.

GUERRA COLONIAL (1961 1974) LUIS ALVES DE FRAGA (Alguns extractos da obra sobre Moçambique, contém um comentário meu sobre o assassinato de Eduardo Mondlane. “Foi, em 1959, na Tanzânia que se fundou o primeiro partido moçambicano defensor da independência, que começou por ser regionalista — com a designação de Maconde African National Union (MANU). Mais tarde, embora mantendo a sigla, transformou-se em Mozambique African National Union. Também fora do território, nasceram, na antiga Rodésia do Sul, a União Democrática Nacional de Moçambique e, no Malavi, em 1961, a União Nacional Africana de Moçambique. A dispersão de 64-65, 75, 82-83 e 112-113 da obra Guerra Colonial, da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, editada em Lisboa pela Editorial Notícias no ano de 2000. 32 Será curioso notar que foi, também, neste ano que se instalou a PIDE em África, mas ainda e só com funções de polícia de fronteiras. Os seus efectivos eram tão ínfimos que nem chegavam para o serviço nos principais portos marítimos. Cf. Dalila Cabrita Mateus, A PIDE/DGS na Guerra Colonial. 1961 – 1974, Lisboa, Terramar, 2004, p. 24. 33 Segundo a descrição sumária de Pezarat Correia, ainda será polémica a data e até a forma como se fundou o MPLA, todavia, ele foi o pólo aglutinador de diversos grupúsculos existentes em Angola que ambicionavam e estavam dispostos a lutar pela libertação do território, formando um Estado 12 esforços foi reconhecida em 1962 e, como o objectivo era comum, acabou por permitir que se fundasse um único movimento no qual todos se reconhecessem. Assim nasceu a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). 48 >Não será excessivo referir que a PIDE/DGS era a organização que centralizava as informações de guerra, em especial as consideradas de nível «estratégico», retirando a liberdade ao Exército e mesmo à Força Aérea e Marinha de desenvolver serviços informativos e de espionagem. Se, por um lado, a não dispersão de esforços foi vantajosa, por outro, ajudou a que aquela polícia se comportasse como um corpo autónomo das restantes forças que combatiam nas colónias. 149 Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, op. cit., p. 504. A guerra em Moçambique A guerrilha em Moçambique começou a ser preparada ainda em 1963, quando os primeiros quadros foram mandados para a Argélia com a finalidade de se instruírem nesse novo tipo de guerra. Eram vários os movimentos que reivindicavam a independência daquela colónia, logo no começo dos anos 60 do século XX. A FRELIMO foi, contudo, a frente que conseguiu, dada a acção de Eduardo Mondlane, conciliar as forças de todos através de sucessivas depurações e clivagens. E fê-lo, porque era o único movimento que apresentava uma textura ideológica consistente, ainda que de matriz marxista. Em Fevereiro de 1969, Eduardo Mondlane foi vítima de uma carta armadilhada que o matou. Tratou-se de uma morte oportuna, porque, internamente, o líder era considerado demasiado brando, e, externamente, parecia ser uma vitória da contraguerrilha. Nunca foi bem esclarecido o assassinato de Mondlane157 e num primeiro momento afectou o desenvolvimento das operações, mas, com a evolução interna, resultante da criação da unidade de comando centrada em Samora Machel, a FRELIMO 157 Hoje há quase a certeza de ter sido o inspector da PIDE, Casimiro Monteiro quem manipulou a carta armadilha que provocou a morte do líder da FRELIMO. Vd., a este propósito, Dalila Cabrita Mateus, op. cit., pp. 171-173. (Porém, em entrevista dada à RTP pelo filho de Casimiro Monteiro à época residente na África do Sul, terá dito que o seu pai antes de falecer Confidenciou que foi ele que preparou o livro bomba a partir da cidade da Beira para assassinar Eduardo Mondlane) ouvi e vi eu. Direi ainda, acontece que Casimiro Monteiro pertencia à época às chamadas “BRIGADAS ESPECIAIS DA PIDE”, Salazar embora hospitalizado, estava vivo, há elementos crediveis que Marcelo Caetano nada mandava “nesta PIDE” que estaria em roda livre ou ainda em articulação directa com Salazar.), ganhou nova dimensão e maior empenhamento tanto diplomático como militar. Foi por essa altura que ficou decidida a abertura da frente de Tete158 . a) A Insurreição Os primeiros acontecimentos que se podem inscrever no começo da insurreição em Moçambique ocorreram em 16 de Junho de 1960, no Norte, no planalto dos Macondes, e tiveram a sua origem em reivindicações justas das populações agrícolas. Foram reprimidas brutalmente pelas autoridades portuguesas, de tal forma que não mais se refez o clima de bom entendimento entre colonos e autóctones. Os quatro anos que se seguiram destinaram-se, de facto, à preparação da luta armada. A partir da Tanzânia, no ano de 1964, começaram a entrar armas no Norte de Moçambique para equipar os primeiros núcleos de guerrilheiros. Mas, efectivamente, estes só em Agosto é que penetraram no território, na província de Cabo Delgado. Tinham como objectivo ocupar três zonas: Macomia em direcção a Porto Amélia, Mueda e Montepuez. Estavam envolvidas duas etnias locais que não aceitavam já de bom agrado a presença das autoridades portuguesas: os Macondes e os Nianjas. A verdadeira insurreição armada veio a ocorrer no dia 25 de Setembro, data em que a FRELIMO decidiu159 atacar o posto do Chai, em Cabo Delgado, colocar abatises nos caminhos que ligavam Miteda a Nangololo, Muatide Muidumbe e Estrada das Oliveiras, destruir as pontes de Quivedo, Esposende, rio Mueda, Nangade e Machomba, e cortar as linhas telefónicas de Quivedo e Esposende160. Também, na véspera, o posto de Coboé, no Niassa, foi atacado, tal como a lancha Castor, da Marinha de Guerra foi alvejada no dia seguinte. Nessa altura a guerrilha não contava com mais do que 250 homens em armas, contudo, nos últimos anos de guerra e segundo os cálculos do Exército português as forças guerrilheiras rondariam já os 6.500 homens (3.500 em Cabo Delgado, 1.000 no Niassa e 2.000 em Tete)161. O esforço insurreccional assentou, em primeiro lugar, na etnia Maconde a qual, ainda que maioritariamente católica, se sentia superior a todas as restantes do Norte e Centro de Moçambique e, por isso, suficientemente forte para enfrentar o Exército. Também junto ao lago Niassa se infiltraram guerrilheiros com a finalidade de subverter as populações ribeirinhas. 158 Joseph Sanchez Cervelló, «Movimentos de libertação. Evolução política» in Guerra Colonial (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes), p. 430. 159 Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, op. cit., p.168. 160 Idem, op. cit., pp.132-133. 161 Idem, op. cit., p. 168.. 60 A reacção portuguesa foi, nos anos iniciais, independentemente da experiência já adquirida em Angola, desadequada, porquanto o então Comandante-chefe, general Caeiro Carrasco, entendia ser pela utilização da força que se dobraria a subversão. Claro que os efeitos foram logo de imediato desastrosos. Só com o general Augusto dos Santos, seu sucessor no comando, oficial com mais experiência de guerra de guerrilha, é que se começou a tentar cativar as populações civis de forma a subtraí-las à acção da FRELIMO162. Este princípio determinou que logo desde o começo das acções de guerrilha se adoptasse a chamada «política de aldeamento», isto é, a fixação das populações em grandes áreas e protegidas pelas suas próprias milícias. Julgava-se, desta forma, dificultar a actividade de propaganda do inimigo. Nos primeiros anos de acção militar o armamento utilizado pela guerrilha era ainda bastante rudimentar, mas rapidamente foi sendo substituído por outro melhor quer de origem chinesa, quer fabricado na União Soviética. Durante a maior parte do tempo que durou a guerra em Moçambique o mais tormentoso para as tropas portuguesas foram as minas que constantemente rebentavam com viaturas e matavam ou feriam o pessoal163. As carências mais vivas sentidas pelo Exército para, em Moçambique, poder fazer a guerra era, em terra, a falta de transportes para as deslocações tácticas e, no ar, a necessidade de mais helicópteros para participarem em operações de evacuação sanitária e de colocação das forças no terreno. Do ponto de vista da guerrilha, a zona do Niassa estava destinada a constituir território libertado, enquanto em Cabo Delgado se pretendia criar uma zona de passagem para sul, rumo à Zambézia e a Tete. b) A localização da guerrilha Nos anos de 1964 a 1970, as grandes acções de guerrilha foram levadas a efeito na província de Cabo Delgado, reduzindo-se a quase nada as operações na zona do Niassa, tendo o comando português adoptado como medida de contra-subversão a instrução no campo de modo a aperfeiçoar o dispositivo de campanha sem perda de tempo com preparação teórica nos quartéis longe da zona de intervenção, tanto mais que a geografia da colónia possibilitava um distanciamento entre os grandes centros populacionais e as matas onde se desenrolava toda a acção. Por outro lado, como foi 162 Augusto dos Santos, «Tirar água ao peixe» in A Guerra de África (coord. José Freire Antunes), 1.º vol., pp. 278-279. 163 Idem, op. cit., p. 284. 61 referido, agiu-se sobre a população, procurando subtraí-la à influência da guerrilha e nisso procedeu-se ao reordenamento das aldeias tradicionais. Ainda, para conter a acção do inimigo, levou-se a efeito o desenvolvimento de uma larga rede informativa. Nos anos de 1966 e 1967, houve o cuidado de ampliar o número de unidades de quadrícula, tendo como objectivo dar maior segurança às populações contra as investidas da FRELIMO, contudo, entre 1968 e 1970, a guerrilha alastrou significativamente para o lago Niassa, tendo sido contida a Norte de Cabo Delgado, principalmente como resultado do reforço das unidades implantadas no terreno. Os avanços da subversão foram uma consequência directa de, no ano de 1968, ter conseguido introduzir armamento sofisticado no território, nomeadamente morteiros de 82 mm, canhões sem recuo 7,5 cm e metralhadoras pesadas de 12,7 mm, tendo começado a fazer utilização de aparelhos rádio de emissão e recepção164 . Em Moçambique, quanto mais o tempo passava mais se iam implantando em algumas zonas do mato os santuários guerrilheiros, tornando intransitáveis certas regiões que se podiam considerar já libertadas. Contudo, a acção militar da guerrilha fazia sentir-se mais intensamente pela ausência do confronto directo, visto socorrer-se, em grande quantidade, dos engenhos explosivos que flagelavam as colunas portuguesas. Fosse como fosse e, até talvez, por uma certa dificuldade de ultrapassar baixos níveis de acção, a FRELIMO não conseguia tirar dividendos políticos externos do facto de já manter santuários em território nacional, porque a descontinuidade geográfica entre eles era muito grande. Faltava-lhe uma logística e os respectivos meios que unisse o que estava desagregado165 . O comando português organizou, para efeitos defensivos, o território em quatro sectores operacionais a saber: o «Sector A» com sede em Vila Cabral e «Sector E» com comando em Marrupa, os quais cobriam a região do Niassa; o «Sector B» cobria a província de Cabo Delgado e o «Sector F» coordenava as operações, ainda incipientes até 1970, em Tete. Em 1970 a situação militar junto ao lago Niassa tinha sido estabilizada e contido o avanço da guerrilha, vindo a facilitar a transferência do esforço de pacificação de Cabo Delgado. Contudo, numa manobra estratégica de alto impacto, como resultado das obras de construção da barragem de Cahora Bassa, a FRELIMO fez transferir uma 164 Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, op. cit., p. 134. 165 O grande problema militar da FRELIMO foi a ausência de uma estrutura logística capaz de suportar as distância que tinham de ser vencidas entre as bases recuadas e as áreas de confronto. 62 parte do seus homens para a península166 de Tete, dando início à actividade operacional naquela zona. A possibilidade de, mais tarde ou mais cedo, a colónia vir a ser cortada por um corredor de guerrilha que chegasse à cidade da Beira perfilou-se no horizonte da guerra167. A acontecer uma tal evolução o conflito estaria irremediavelmente perdido. A manobra mais apropriada à situação teria sido a de contenção da guerrilha do Niassa a norte da linha de caminho-de-ferro de Nampula-Nova Freixo e a de Cabo Delgado a norte do rio Messalo e serra do Mapé, de modo a permitir dar combate na península de Tete sem criar grandes margens para o avanço rumo à cidade da Beira. A estabilização e contenção deveriam ter sido as grandes linhas de força da estratégia militar em Moçambique. O incremento da guerrilha em Moçambique esteve, também, ligado à mudança de direcção ocorrida no seio da FRELIMO, em consequência do assassinato de Eduardo Mondlane, na manhã de 3 de Fevereiro de 1969, embora não tivesse sido essa a intenção de quem o mandou matar168 . c) Operação «Nó Górdio» O general Kaúlza de Arriaga foi um dos comandantes-chefes que maior prática de governo tinha junto da Ditadura e de Salazar. Por isso, transportou para o teatro de operações conceitos políticos do poder central sem a cautela de os confrontar com a realidade militar que se vivia no terreno. Para ele, a vitória militar era admissível e alcançável, quando, outros generais, na mesma altura, eram muitíssimo mais prudentes nas suas afirmações. Em 1969, quando Kaúlza de Arriaga substituiu como comandante das forças terrestres o general Costa Gomes, ficou claro que pretendia modificar o modo de actuação do Exército, gerando uma maior actividade operacional de modo a provocar o confronto directo. Por sua iniciativa foram, então, criadas as unidades de comandos com 166 O termo é aqui usado não no seu sentido literal, mas atendendo ao formato geográfico do território e respectivas fronteiras. 167 Resenha Histórico-Militar (...), 4.º vol., Dispositivo das Nossas Forças. Moçambique, pp. 70-71. 168 A propósito do autor material do assassinato parece não haver dúvidas quando se aponta o inspector da PIDE/DGS Casimiro Monteiro, ainda que se atribua a ordem para a execução a diversas personalidades, entre eles o chefe da delegação daquela polícia em Moçambique, António Vaz e o engenheiro Jorge Jardim, então figura de relevo na política da colónia e homem de confiança do Governo de Lisboa. Terão havido cúmplices no crime, entre eles Lázaro Nkavandame e Silvério Nungu. Vd., a este propósito, Dalila Cabrita Mateus, op. cit., pp. 171-173. 63 recrutamento local e os chamados Grupos Especiais (GE) e Grupos Especiais Páraquedistas (GEP) constituídos exclusivamente com militares africanos. Em Moçambique, com Kaúlza de Arriaga, as relações entre o Governo-geral e o comando militar tornaram-se tensas e difíceis devido ao desencontro de entendimentos sobre a condução da guerra e a interferência de elementos que sobre ela expressavam opinião, mas não tinham responsabilidade, tal como foi o caso do engenheiro Jorge Jardim — oficialmente limitava-se a ser o cônsul do Malawi na cidade da Beira — que, efectivamente, desempenhava funções de agente secreto do Governo de Lisboa e do Governo-geral junto de Estados africanos com quem não era possível manter relações diplomáticas. A ocorrência dessas circunstâncias também não foi favorável aos planos de Kaúlza. De Julho de 1969 a 31 de Março de 1970, data em que foi nomeado Comandante-chefe (ao arrepio da vontade do Governador-geral) mandou que o seu estado-maior preparasse uma grande acção militar contra as zonas que considerou serem santuários da FRELIMO. Foi-lhe dado um nome de código: «Operação Nó Górdio». Tratava-se da grande ofensiva militar com que sempre havia sonhado como processo de ganhar a guerra — fosse que guerra fosse — já que, desde os seus tempos de professor do Instituto de Altos Estudos Militares, Kaúlza de Arriaga era um acérrimo defensor de métodos clássicos ao invés de adaptar o pensamento, de forma dialéctica, ao tipo de guerra mais dialéctico que existe169 . Antes que tivesse tempo de dar início à grande manobra militar que havia imaginado foi o Comandante-chefe confrontado com a abertura de acções militares em Tete, cujo objectivo era, claramente, dificultar a construção da barragem de Cahora Bassa. Kaúla teve de desviar efectivos afectos à operação «Nó Górdio», ao mesmo tempo que fez baixar o nível de empenhamento no Niassa e tentou evitar a progressão da guerrilha, em Cabo Delgado, à custa de tropa de quadrícula e de engenharia170. A FRELIMO estava, no final do ano de 1971, a assenhorear-se da situação. Olhando em particular a grande manobra concebida por Kaúlza de Arriaga vemos que ela assenta no pressuposto verdadeiro de que no planalto central de Cabo Delgado a guerrilha estava, em 1969, enraizada de tal forma que nem pára-quedistas, nem comandos conseguiam penetrar no terreno. Aliás, nesse mesmo planalto a 169 Vd. Carlos Matos Gomes, Moçambique. Operação Nó Górdio, Lisboa, Prefácio, 2002, pp. 29-30. 170 Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, op. cit., p. 454. 64 FRELIMO possuía duas bases consideradas inexpugnáveis: Gungunhana e Moçambique. Era a partir do triângulo serra do Mapé-Macomia-Chai que a guerrilha forçava a penetração para Sul. O seu avanço fazia-se muito especialmente por recurso à minagem dos itinerários, comprometendo, de imediato, as acções de patrulhamento das tropas de quadrícula que se viam cada vez mais confinadas aos seus aquartelamentos, não podendo exercer o controle das populações as quais passaram a reconhecer à guerrilha a superioridade que já não encontravam junto do Exército. Kaúlza, que havia criado, em 1969, o Comando Operacional das Forças de Intervenção (COFI) como uma tropa capaz de juntar forças dos três ramos, atribuiu a este mesmo Comando a execução da operação que ficou designada por «Nó Górdio». A primeira experiência da articulação das forças especiais foi feita em Maio de 1970 ao longo da estrada de Mueda-Mocímboa da Praia, usando-se pára-quedistas, comandos e fuzileiros apoiados por artilharia e aeroplanos. A partir deste mês as tropas em Moçambique ficaram empenhadas para o novo conceito de operações, tendo-se concentrado no Norte peças de artilharia, auto-metralhadoras, e todos os reforços possíveis. Aumentou-se a pista do aeródromo de Mueda de modo a nela poderem aterrar Fiats G-91. Foi o planalto de Mueda que serviu de ponto de concentração dos meios para a acção. A operação começou exactamente no dia 1 de Julho de 1970 e durou até 6 de Agosto, tendo envolvido mais de 8.000 homens, quase toda a artilharia de campanha, toda a tropa de reconhecimento e de engenharia171 . A acção desenrolou-se no planalto dos Macondes, tomando como objectivo os santuários da FRELIMO que até então tinham sido intocáveis. Preconizava-se a acção de cerco, seguindo os itinerários Mueda-Sagal-Muidumbe-Nangololo-Miteda-Mueda numa extensão de cerca de 140 km. O cerco seria apoiado por acção de fogo de artilharia e de aeronaves de modo a ir apertando o anel até atingir as bases «Gungunhana» — de artilharia —, a «Moçambique» — que era a principal da província — e a base «Nampula». Toda a acção militar era acompanhada de acção psicológica para desmotivar e desmoralizar tanto a população abrigada pela guerrilha como os próprios guerrilheiros. Ainda que todo o esforço tenha incidido na ocupação das bases inimigas, a verdade é que, quando tal foi conseguido, elas já estavam abandonadas havia, nalguns casos, dois meses e o mesmo insucesso ocorreu com as populações, que 171 Idem, op. cit., p. 466. 65 se apresentaram às autoridades nacionais em muito baixo número. Os Macondes, havia já mais de dez anos, tinham deixado de acreditar nos Portugueses, quando foram massacrados por causa das suas justas reivindicações. A operação saldou-se com as seguintes baixas: FRELIMO — 67 mortos; 101 capturados entre crianças, mulheres e homens (destes, foram-no 31); Exército — 26 mortos; 81 feridos entre graves e ligeiros; 15 viaturas destruídas e danificadas172. Como se pode ver, para os meios envolvidos os resultados foram escassos e isso deveu-se à tentativa de aplicar processos de guerra clássica num ambiente eminentemente favorável à guerrilha. A tentação da espectacularidade foi superior à norma do trabalho paulatino, mas eficaz. O facto de se terem desalojado os guerrilheiros das suas bases não alterou grandemente o desenrolar da guerra, dada a precariedade que a própria guerrilha imprimia aos seus aquartelamentos173 . d) Cahora Bassa e a mudança estratégica da FRELIMO A barragem de Cahora Bassa foi um projecto português amplamente estratégico e ideológico174 favorecido pela conjuntura internacional a partir de segunda metade da década de 60 do século XX. Realmente, a guerra israelo-árabe, que tornou intransitável o canal do Suez, veio dar à rota do Cabo da Boa Esperança uma nova importância para o mundo ocidental, em especial para a Europa, que não poderia ver aquelas paragens em mãos politicamente instáveis. Daí que o regime político da África do Sul e o apartheid tenham passado a ser suportáveis, embora condenados. Por outro lado, o regime branco da Rodésia, com Ian Smith à frente, saiu reforçado, porque era a cúpula que, a par de Moçambique e Angola, criava as condições de viabilidade e tranquilidade de navegação dos imensos «mamutes» transportadores de petróleo. O mundo tinha, regionalmente, a estabilidade de que careciam as grandes indústrias europeias e, até, americanas. Esta situação era favorável ao reforço dos laços entre territórios da África austral e, para consolidá-la, só faltava um projecto que os solidarizasse. Ele nasceu com a ideia de uma grande barragem — a maior do mundo — capaz de fornecer energia suficiente ao desenvolvimento paralelo de Moçambique, Angola, Rodésia e África do Sul. A barragem foi pensada para ser construída em território de Moçambique, aproveitando o caudal do Zambeze na zona de Tete, mais 172 Idem, op. cit., p. 471. 173 Aliás, essas mesmas bases foram pouco tempo mais tarde utilizadas de novo, constituindo santuários outra vez inacessíveis às forças do Exército. 66 concretamente na garganta de Cahora Bassa. Só a África do Sul assegurou a compra de 80% da energia produzida logo que o empreendimento estivesse em fase de rentabilização175. Todavia a responsabilidade do aval financeiro do empreendimento era português, facto que ia ao arrepio da mais elementar medida de segurança económica e esteve na origem da demissão do ministro Dias Rosas176 . Claro que a construção da barragem era uma mais-valia incalculável para a região e, em especial, para Moçambique. A FRELIMO não desconhecia esse facto, nem o desprezava. Contudo o atraso e as dificuldades na construção eram um objectivo estratégico fundamental para a guerrilha, dado acrescentar dificuldades às dificuldades já existentes. A conclusão do projecto era o símbolo da vitória de Portugal e o da derrota da FRELIMO que se veria relegada para a posição de um mero movimento de guerrilha sem importância nem valor. Também no plano estratégico Portugal, ainda por decisão de Salazar, procurou afastar os capitais americanos e ingleses, dos quais desconfiava, para dar a primazia a alemães, sul-africanos, suíços, italianos, portugueses e franceses. A barragem, quando em pena laboração, seria motivo para fixar cerca de um milhão de portugueses que usufruiriam não só da energia, mas, também, do plano de rega. Esperava-se que fosse uma forma de reduzir ou acabar com a guerrilha no Norte de Moçambique, tal a prosperidade que se imaginava. Por outro lado, a avaliação das forças guerrilheiras no território levaram o ministro da Defesa Nacional, em 1968, a subestimar as capacidades da FRELIMO pois não previu a possibilidade de esta transferir, numa distância de 800 Km, os seus homens para abrirem uma nova frente de operações177 . Os estrategistas da FRELIMO não perderam a excelente oportunidade de, com um esforço adicional mínimo, flagelarem, então, os Portugueses em três frentes dentro da colónia: Niassa, Cabo Delgado e Tete. E foi isso que fizeram, com a agravante de, a partir de 1972, ser notável o ardor combativo em Cabo Delgado e em Tete. Na primeira zona, tentando e conseguindo penetrar para Sul e, na segunda, impondo um clima de insegurança ao regular andamento das obras o qual obrigou ao desvio dos reforços militares para a península de Tete, descurando o Norte. Por exaustão da Metrópole foi determinante o recurso ao recrutamento de forças em África, em especial, africanas. 174 Idem, op. cit., pp. 474-475. 175 João Paulo Guerra, op. cit., p. 71. 176 Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, op. cit., p. 474. 177 Idem, op. cit., p.475. 67 Para a guerrilha era tão importante retardar as obras como tentar penetrar ao longo do corredor da Beira rumo a este porto de mar de forma a tornar instáveis as ligações entre a costa e o interior, o mesmo é dizer Cahora Bassa e Rodésia. A operação «Nó Górdio» deu um precioso impulso à mudança de estratégia da guerrilha, porque, ao mesmo tempo que flexibilizava a resposta ao ataque em Cabo Delgado, conseguia disponibilidade para transferir efectivos daquela zona para Tete. 1970 foi o ano da passagem e preposicionamento de meios no novo teatro regional de operações. Tudo foi feito devagar, com a consciência de que era necessário, em primeiro lugar, conquistar as populações, essencialmente agrícolas, mentalizando-as politicamente para o fenómeno colonial. A percepção deste tipo de desenvolvimento da guerrilha foi um dos factores determinantes para aumentar a colaboração militar entre Portugal, a África de Sul e a Rodésia, tendo ambos os Estados passado a desenvolver operações aéreas em território de Moçambique178 e Angola. A evolução das acções bélicas entre 1970 e 1971 levou a que tivesse de ser criado mais um comando militar em Moçambique: o da Zona Operacional de Tete (ZOT) com o fim de reunir e controlar as operações na região. Tete passou a absorver tropa de quadrícula, comandos, pára-quedistas, GE’s. e GEP’s. Os efectivos portugueses, depois de 1972, à volta da barragem eram já da ordem de 50%179 do total existente em Moçambique, facto que demonstra bem o esforço desenvolvidos por ambas as partes para concretizar fins estratégicos antagónicos. Em Novembro de 1973, a FRELIMO começava a ter destacamentos a operar no parque da Gonrongosa, coração turístico de Moçambique, que fica a cerca de 100 Km da cidade da Beira180 . Em Janeiro de 1974, antecedendo o que se poderia preconizar no futuro próximo, as populações civis europeias de Vila Pery (Chimoio) e da Beira, durante mais de 48 horas, sitiaram a messe de oficiais do Exército, clamando contra a incapacidade das forças armadas porem fim à guerrilha. Deve notar-se que, por esta altura já a FRELIMO havia actuado contra fazendeiros da região e havia gerado a instabilidade no corredor da Beira. A acção das populações civis europeias teve a clara conivência da 178 João Paulo Guerra, op. cit., p. 76. 179 Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, op. cit., p. 477. 180 Companhias do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 31, com sede na Beira, para evitar gerar o pânico entre os turistas chegados para safaris fotográficos no Parque da Gorogonsa, operaram à paisana, durante os primeiros meses (Novembro, Dezembro e Janeiro) de infiltração da guerrilha na zona de Vila Machado. 68 PIDE/DGS, que não alertou os comandos militares para a iniciativa em marcha, muito embora ela não tivesse sido planeada em segredo. A este incidente não deve ter sido estranha, também, a acção do engenheiro Jorge Jardim que teria visto com bons olhos a evolução do quadro político para encontrar uma solução autónoma do problema da guerrilha em Moçambique181 . Abril de 1974 pôs cobro a uma situação operacional em degradação acelerada que em pouco tempo confrontaria Lisboa com um desaire militar de grande envergadura. e) Os massacres em Moçambique Em qualquer guerra, seja ela em que tempo for e sejam quais forem os intervenientes, sempre existiu a tentação de exceder o sofrimento para além do estritamente necessário. Em Moçambique não houve excepções. Foram vários os massacres de que há conhecimento mais ou menos documentado e, que se saiba, lá só as forças do Exército tomaram parte neles182 . O massacre só se justifica com base em fanatismos de quaisquer naturezas ou desequilíbrios psíquicos de quem o pratica. Muitas vezes é o medo o grande motivador dessa forma desumana de fazer a guerra. Em Moçambique, o mais célebre foi o de Wiriamu183 que constituía um conjunto de três povoações indígenas — Chawola, Juwau e Wriamu —, porque foi aquele que passou para as páginas da imprensa internacional, através do padre Adrian Hastings. A acção foi levada a efeito, em Dezembro de 1972, por tropas dos Comandos como retaliação sobre um disparo feito contra uma aeronave e uma emboscada. Na impossibilidade de distinguir os guerrilheiros da população — até porque esta não os acusou — as povoações foram chacinadas, ferindo-se, matando-se a eito mulheres, velhos e crianças. Alguns dos sobreviventes, dada a proximidade de Tete, procuraram tratamento no hospital, acabando por morrer na picada (estrada improvisada), ou conseguindo somente chegar à missão de S. Pedro, a Sul daquela cidade onde contaram o sucedido. As religiosas, indignadas, relataram aos seus superiores, da congregação dos 181 Vd. José Freire Antunes, Jorge Jardim, Agente Secreto, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996, pp. 523-549. 182 Não podemos esquecer que a acção da UPA, em 1961, no Norte de Angola, se iniciou exactamente por um massacre tão hediondo como os mais hediondos que as forças armadas portuguesas praticaram... mas um não justifica os outros. 183 Ou, também, conhecido por Wliamu, porque os naturais do Centro de Moçambique, em especial os que habitam no mato, têm tendência a trocar o r pelo l. 69 padres de Burgos, que divulgaram a ocorrência. O impacto foi brutal na precária posição política internacional de Portugal184 . Não foi só Wiriamu o único caso conhecido de massacre; já antes, em Mucumbura, também em Tete, em Maio e Novembro de 1971, tinham sido flageladas as populações da aldeia que, depois de mandadas recolher às suas cubatas, foram metralhadas, incendiando, a tropa, de seguida, as habitações alvejadas. Também este massacre foi denunciado na igreja do Macúti, diocese da Beira, pelos padres Joaquim Teles Sampaio e Fernando Mendes, os quais foram presos pela PIDE/DGS e encarcerados em Lourenço Marques185. Aliás o volumosos processo da polícia política portuguesa sobre a Ordem dos Padres Brancos, que se encarregaram de dar a conhecer este último massacre — e por isso foram expulsos de Moçambique —, não poupa nomes de intervenientes, destacando-se o aviso, feito às autoridades militares e civis, pelo coronel Craveiro Lopes, que taxativamente disse: «Dentro de bem pouco tempo, os nossos aviões e comandos estarão na região de Buxo. Agora é tempo de devastar a área e de lhe lançar fogo, pois já lhes demos tempo suficiente para partirem para as posições seguras e não se misturarem com terroristas». E, no dia seguinte cumpriu-se à risca o que havia sido anunciado. Felizmente as populações, embora deixando para trás todos os seus haveres, salvaram a vida186 . As investigações mandadas fazer pelo comandante-chefe, tanto no caso de Wiriamu, como no de Mucumbura e António (outra povoação devastada) foram sempre inconclusivas. Já em 1974 o padre holandês José Martens denunciou o massacre de Inhaminga, província de Sofala, no qual foram mortos cerca de 500 homens, entre Agosto de 1973 e Março de 1974, por agentes da PIDE/DGS, sob vigilância de tropas pára-quedistas, por se negarem a sair das suas terras para serem reordenados em aldeias controladas pela tropa187 . Embora na região da Zambézia não houvesse acções militares desenvolvidas pelos guerrilheiros, ocorreram, também, massacres de população negra por simplesmente se desconfiar que davam guarida a elementos da FRELIMO188 . 184 Vd. João Paulo Guerra, op. cit., pp. 287-293. Veja-se cópia de documentação oficial em José Amaro (org., introd. E notas), Massacres na Guerra Colonial. Tete, um exemplo, Lisboa, Ulmeiro, 1976. 185 João Paulo Guerra, op. cit., p. 293-294. 186 Pº CI (2) n.º16570 cx.. 7775 187 Idem, op. cit., p. 299 e Dalila Cabrita Mateus, op. cit., p. 176. 188 Dalila Cabrita Mateus, Ibidem. 70 Com exclusão dos massacres iniciais dos anos 50 e 60, onde se impunha uma certa cultura imperial de repressão das manifestações de massas, os ocorridos nos anos finais da guerra, em Moçambique, indiciavam já a proximidade de um fim militar que não se desejava ou que se queria evitar a todo o custo. O cansaço da guerra, o medo, o ódio, foram os ingredientes necessários para esquecer que no conflito de guerrilhas quando não se conquistam as populações se perde o combate e a campanha.”

Sem comentários:

Enviar um comentário