domingo, 17 de março de 2024
ALVARINHO VINHO VERDE DE ELEIÇÃO, ANSELMO MENDES "É UMA FIGURA INCONTORNÁVEL DA VINICULTURA EM PORTUGAL, É O SR ALVARINHO"
"gourmet e vinhos
Sr. Alvarinho: “Fazer vinho é sobretudo conhecimento. A arte é apenas um pormenor”
Anselmo Mendes é uma figura incontornável da vinicultura em Portugal. Tem mais de 120 hectares de vinhas dedicadas às castas do Minho.
16/03/2024 às 08:54
Anselmo Mendes é o Senhor Alvarinho.
texto
Catarina Simões
Quando era miúdo adorava estragar umas uvas. Agora é conhecido simplesmente como Senhor Alvarinho. Anselmo Mendes não adora que o tratem como tal, mas a alcunha foi criada por jornalistas internacionais, em homenagem ao enólogo que já fez mais pela casta de vinho verde, “do que os galegos todos juntos”. Mas quando se fala de vinho, não é nada disto que o deixa irritado.
“Irrita-me a história sobre os vinhos naturais, nem consigo perceber os miúdo que querem trabalhar nesta área, mas não gostam de fazer experiência”, diz à NiT, aquele que em 2023 foi considerado pela “Revista de Vinhos” como Enólogo e Produtor do Ano.
Anselmo Mendes é uma figura incontornável da vinicultura em Portugal e um profundo conhecedor das várias vertentes deste setor. O minhoto de 61 anos começou por estudar Agronomia, no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. Isto porque, na altura, se imaginava um “agricultor evoluído” e que iria seguir as pisadas do pai. Porém, no final da pós graduação em Analogia, na Universidade Católica, apaixonou-se pelo processo da produção de vinho e começou “a virar-se” para a área.
Como tudo começou
Decorria o ano de 1987 quando, após algumas pesquisas, percebeu que a fermentação em barricas de madeira era o segredo para o sabor característico de um vinho de Borgonha. “Na altura pensei que se funcionava com aquele rótulo também poderia funcionar com o Alvarinho, uma casta em abundância em Melgaço e Monção, de onde sou natural. Então decidi começar a testar, com as uvas das videiras dos meus pais”, conta à NiT.
Naquela época, se tivesse comentado o que estava a pensar com alguém certamente o teriam chamado de “maluco”. Mas o enólogo sempre gostou de questionar tudo. Acredita até que ser experimentalista e curioso são dois traços da sua personalidade que guiaram o caminho que trilhou.
Durante a década seguinte foi preparando o terreno para se lançar na área. Fez experiências caseiras e muitas pesquisas, enquanto trabalhava numa empresa privada no Douro. Em 1997, decidiu “lançar-se à séria” e comprou uma quinta em Melgaço com dois hectares, cercada por muros de granito.
Plantou as videiras e, no ano seguinte, começou então a produzir o primeiro vinho, o Muros de Melgaço. A produção foi toda feita de forma artesanal, com prensas de granito, fermentado em madeira. A primeira remessa rendeu 2.100 exemplares engarrafados nas “garrafas mais fálicas do mercado”, escolhido dois anos antes.
“Em 1996, ainda não tinha o vinho, mas já sabia em que objeto queria guardá-lo, quando o vi num vinho de Bordéus. Achei que a elegância combinava com o Alvarinho”, conta.
O primeiro “desastre”
No início dos anos 2000 já era visto como um inovador, porque além das barricas em madeira, decidiu testar a vinificação dos vinhos brancos com as casas das uvas, tal como se fazia com os tintos.
“Em 2001 engarrafei o meu primeiro vinho fermentado com as cascas.” Mas não correu como esperado. “Não consegui vender porque ninguém entendia. Foi um desastre. Chamava-se Muros Antigos e até tinha um rótulo diferente”, comenta.
Quatro anos mais tarde, voltou a testar o método, mas desta vez não deixou a fermentação com as cascas até ao final. Dois anos depois reduziu ainda mais o tempo e em 2009 afinou o processo. “Deixei as uvas apenas durante um dia em fermentação, numa cuba de inox, com as cascas e depois passei-as para o estágio em madeira. Agora tenho o meu Curtimenta”.
As primeiras experiências foram feitas na garagem da quinta. Rapidamente ficou sem espaço e encheu os anexos da casa com cubas e barricas. Com o passar do tempo o espaço tornou-se também pequeno e criou uma adega, desta vez num parque industrial, em Melgaço — onde se mantém até hoje. Em 2008, decidiu investir e comprou a Quinta da Torre, em Monção. Restaurou as vinhas e plantou novas castas de Loureiro, outra paixão do Sr. Alvarinho.
Estudioso da casta e um incansável experimentalista, tem como filosofia fazer vinhos que expressem a terra de onde vêm, aliando a inovação à tradição. Foi pioneiro em técnicas como a fermentação e estágio do Alvarinho em barrica, a “curtimenta” e, mais recentemente, tem-se dedicado ao estudo dos solos e parcelas. Atualmente, mantém 120 hectares de vinha, todos certificados em modo de Produção Integrada, que é o método de viticultura mais sustentável da região.
As suas marcas mais conhecidas são o Muros Antigos, Contacto Alvarinho, Muros de Melgaço, Parcela Única, Curtimenta, Expressões ou Tempo. Mas há muitos mais rótulos que nasceram das suas experiências ao longo das últimas décadas.
Porém, se tivesse mesmo de escolher só um, Anselmo Mendes não tem dúvidas. “O Parcela Única é um rótulo muito especial. É de um segmento mais alto, feito na quase como quem faz filigrana, com muito cuidado, dedicação e atenção ao detalhe. É o resultado de muito estudo sobre o solos, a fermentação em madeira e um trabalho apurado da região.”
No fundo, para ele, fazer vinho é “acima de tudo conhecimento, a arte é apenas um pormenor”. Sobre o que diferencia o seu trabalho dos restantes, é categórico: “Somos minimalistas, mas para isso também é necessário um profundo entendimento”, diz.
Por ser um profundo conhecedor da matéria, há muita coisa que o irrita, a pior é “a moda dos vinhos naturais”. “Esta é a bebida mais natural que pode existir. Claro que tem uma substância tóxica, o álcool e por isso deve ser bebido com moderação, mas isso não quer dizer que não seja natural. Isso de dizer que não se utiliza químicos é uma má ferramenta de marketing, porque os sulfitos, ainda que em pouca quantidade, são necessários.”
O melhor está para vir
Aos 61 anos, garante que se sente com 30, por isso não está nos planos parar. “Por agora quero continuar a de produzir vinhos de excelência, autênticos e com uma grande ligação à terra.”
E já tem até quem lhe siga as pisadas. O filho do meio, Tiago, embora tenha optado por formar-se em marketing, é quem ajuda o pai na produção. Já a parte financeira fica para a mulher, que também é formada em agronomia.
“Todos gostámos de vinho lá em casa. E nos jantares e almoços de família raramente se bebe vinho do nosso. Gostamos de experimentar os vinhos de outros produtores e de outros locais do mundo”, refere.
Esses rótulos estrangeiros chegam de viagens que fazem em família, um hobby que Anselmo adora. “Nos tempos livros gosto de cozinhar, estudar, ler artigos científicos sobre esta área e viajar. Gosto muito de viajar e de provar vinho, claro”."
FONTE: MIT
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