"Moçambique e Brasil vão bem, obrigado!
EM final de mandato como presidente do Brasil, Lula da Silva chega esta noite a Maputo para mais uma visita de trabalho a Moçambique, a terceira que realiza naquela qualidade. E desta vez, vem avaliar o que os dois países conseguiram fazer, de concreto, no domínio da cooperação bilateral, com enfoque para as áreas da Saúde, Educação e Agricultura. O seu embaixador em Moçambique, António Sousa e Silva, avança com uma avaliação preliminar desse exercício, neste exclusivo concedido, a-propósito, ao matutino “Notícias”.Maputo, Segunda-Feira, 8 de Novembro de 2010:: Notícias Notícias (Not) – Mesmo para começar, qual a razão da escolha de Moçambique para fechar o mandato do presidente Lula da Silva em termos de visitas a África, e abrir a era Dilma Rousseff? António Sousa e Silva (ASS) – Bom, vamos começar pelo fim. Primeiro a presidente eleita não vem a Moçambique. Ninguém sabe de onde saiu essa informação. Parece que um ministro brasileiro terá equacionado isso e a informação assumiu proporções inesperadas. Ora, na Segunda e Terça-feira da semana passada houve feriados no Brasil e por isso não houve como confirmar isso mas, não estava nos planos a vinda da presidente eleita. Infelizmente, ela não vem. Todos ficaríamos honrados com a vinda dela mas não será desta vez... Na verdade ela deve se juntar ao presidente Lula na Coreia, para onde vai depois de Moçambique, no dia 12, participar na Cimeira do G-20.
Not – E porquê Moçambique na despedida de Lula?
ASS – O presidente Lula vem a Moçambique cumprir uma promessa que fez quando esteve cá em Outubro de 2008. Nessa altura ele deixou claro que viria se despedir de Moçambique antes do fim do seu mandato.
Not – Em termos de programa da visita, o que é que está previsto?
ASS – O presidente chega na noite do dia 8, segunda-feira. No mesmo dia ele tem uma agenda que inclui um encontro com o Presidente Guebuza e membros do governo, além de um banquete a ser oferecido pelo presidente moçambicano. Também vai visitar as obras da fábrica de antiretrovirais e inaugurar um pólo da Universidade Aberta do Brasil, um projecto de ensino à distância que na verdade é uma colecção dos melhores cursos à distância preparados por universidades federais brasileiras. É como se fosse uma biblioteca de cursos.
Not – E como é que isso vai funcionar?
ASS - Moçambique terá o primeiro pólo dessa universidade a funcionar fora do Brasil. Alguns cursos da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e outros da Universidade Pedagógica (UP) passarão a fazer parte do acervo da Universidade Aberta do Brasil. Vamos introduzir quatro cursos, nomeadamente Matemática, Biologia, Formação de Professores e Administração Pública. Parte do currículo destes cursos será desenvolvido pela UEM e pela UP, e outra parte por uma das oitenta e uma universidades brasileiras, de maneira que, quem fizer esses cursos terá um duplo reconhecimento. Em Moçambique haverá delegações em Maputo, Beira e Lichinga onde haverá aulas presenciais. Not – Portanto, o presidente vai inaugurar a universidade na terça ou quarta-feira. E as aulas, quando vão começar? ASS – O presidente fará a aula inaugural mas os cursos só começam em Janeiro, de acordo com o calendário académico moçambicano. A aula será acompanhada em simultâneo nos pólos da Beira e Lichinga, a partir de onde os alunos poderão interagir com o presidente. (A. Marrengula)BUROCRACIA PREJUDICOU FÁBRICA DE ANTIRETROVIRAIS. Maputo, Segunda-Feira, 8 de Novembro de 2010:: Notícias . NA abertura das conversações oficiais havidas aquando da visita realizada em Outubro de 2008, Lula da Silva chamou à atenção particular do Presidente Armando Guebuza para o facto de se estar a levar muito tempo a tornar práticas as decisões políticas adoptadas nos acordos bilaterais... Not – O projecto da fábrica de antiretrovirais é uma conversa que dura há cerca de oito anos, sendo parte da estratégia de cooperação que o Brasil adoptou para Moçambique. Oito anos não são tempo demais para se ter uma fábrica tão importante a funcionar? ASS - O projecto da fábrica resulta, efectivamente, de uma decisão do presidente aquando da sua primeira visita a Moçambique, em 2003. Era algo novo. O Brasil nunca tinha feito uma coisa igual. A verdade é que a coisa não andou! O presidente mandou, mas a coisa não andou. Foi necessário uma tramitação no Congresso Nacional brasileiro para se ter autorização para a compra do equipamento no Brasil para serem doados a Moçambique e essa autorização só saiu em Dezembro de 2009. Não contávamos com toda essa burocracia interna brasileira. Não contávamos que a coisa teria que ir ao congresso para aprovação por ser uma doação a um outro país e no montante que envolve, que ronda os oito a nove milhões de dólares norte americanos só para a primeira fase... Not – Objectivamente, o que é que essa fábrica vai fazer? ASS – É o seguinte: Moçambique já tem o edifício e o Brasil já encomendou todos o equipamento necessário. Agora estamos a contratar a empresa que vai adequar o edifício para receber as máquinas. Enquanto as máquinas definitivas não chegam (e só chegam dentro de três a quatro meses), vai se adaptando o edifício ao mesmo tempo que vamos iniciar o treinamento de pessoal usando uma máquina grande que foi cedida pelo Governo brasileiro. Assim, quando as máquinas chegarem, o pessoal já estará preparado para começar a operar. Contamos que em meados de 2011 vai começar a primeira fase da fábrica que será com a embalagem dos medicamentos, para até finais do ano começar a produção efectiva dos medicamentos em Moçambique. Not – Que tipo de medicamentos, de concreto?
ASS – O Brasil vai doar a Moçambique vinte e sete dossiers de medicamentos. Quer dizer, Moçambique vai produzir os medicamentos com a sua patente. Não terá que pagar royalities nem nada a ninguém. Essa é a primeira experiência de transferência de tecnologia entre dois países em desenvolvimento, a chamada cooperação Sul-Sul. Not - (...) ASS – Deixa-me sublinhar que além dos antiretrovirais, a fábrica vai também produzir outros medicamentos. Quer dizer, ela estará à disposição do Governo moçambicano para implementar suas políticas de saúde pública. Um aspecto que também concorreu para o encarecimento e morosidade do projecto é que ela deve cumprir com as exigências da Organização Mundial da Saúde (OMS), para que os seus produtos possam ser certificados. Repare que em África existem 50 fábricas iguais mas não têm certificação. E sem certificação só o próprio país é que pode consumir a produção. A intenção é que amanhã, Moçambique esteja em condições produzir e vender os medicamentos para quem quiser, ao mesmo tempo que vai respondendo às suas necessidades internas. Not - Moçambique é um país com taxas elevadas de infecção pelo HIV. Não teria sido mais barato e prestável o Brasil ajudar o país a melhorar a sua estratégia de educação sanitária para evitar novas infecções no lugar de apostar na fábrica de antiretrovirais? ASS - Acho que há muita gente e muitos países participando, e de uma forma vigorosa, na área de prevenção e consciencialização das comunidades, de uma maneira que acredito que o Brasil não teria condições de o fazer. A fábrica complementa esse esforço pois, bem ou mal, há um grande número de pessoas infectadas pelo vírus que precisa de tratamento... Not – A área de formação é uma das que vem sendo privilegiada na cooperação Brasil / Moçambique. Em que é que resultou esta cooperação, sobretudo durante o mandato de Lula? ASS – O Governo brasileiro ampliou a oferta de vagas para o Ensino Superior. Criamos mais espaço para poder receber alunos de países amigos. Antes não tínhamos o mesmo espaço e condições que temos hoje. A aposta é ampliar não só o número de alunos moçambicanos como também os cursos que oferecemos. A etapa seguinte será aumentar a disponibilidade de cursos nos níveis de mestrado e doutoramento. SAÚDE É O SECTOR QUE MAIS AVANÇOU . Maputo, Segunda-Feira, 8 de Novembro de 2010:: Notícias . UM erro estratégico que muitas vezes se comete, sobretudo na componente formação e troca de tecnologias, é apostar em acções de carácter pontual, como por exemplo treinar pessoas para alguma área na qual depois não encontram espaço para aplicar os seus conhecimentos devido à falta de equipamento. A cooperação entre Moçambique e Brasil na área da Saúde, tem o mérito de assentar em objectivos estruturantes. Not – Quais as áreas em que o Brasil sente que a cooperação com Moçambique está a ser mais frutuosa em termos de resultados concretos? ASS – As que dão mais certo são aquelas que reúnem o maior número de actividades complementares. A Saúde é exemplo disso. Olhando para o exemplo da fábrica veremos que, primeiro ela permitiu que fossem capacitados dezenas de técnicos e profissionais para trabalhar na unidade. A fábrica também criou a necessidade de instalar uma agência reguladora e fiscalizadora de medicamentos em Moçambique. E isso já está em curso. Agora temos um programa de mestrado na área da Saúde ao abrigo do qual já graduámos pelo menos doze moçambicanos. Estamos a preparar dois acordos na área de Saúde Materno Infantil. Um dos quais prevê a instalação do primeiro Banco de Leite Materno em Moçambique. Portanto, acho que o sector da Saúde é o mais emblemático da cooperação entre Brasil e Moçambique. Not – E quais aquelas em que o senhor embaixador sente que não estão a dar muito do que se esperava? ASS - A área da Saúde é aquela onde os resultados são mais visíveis mas a Agricultura também tem tido resultados de volto. Mas para mim todas as áreas de cooperação precisam de tratamento especial. Não podemos nos abater de nenhuma delas. Não podemos fazer acções pontuais como por exemplo treinar vinte técnicos para alguma área que depois não encontram espaço para aplicar os seus conhecimentos porque não tem equipamento para trabalhar. Precisamos de fazer coisas que sejam estruturantes. Capacitar e criar condições para exercitar essas capacidades. Not – Na agenda do presidente Lula consta também a inauguração de um programa designado Pró-Savana. Que projecto é esse?. ASS - O Pró-Savana é um programa que resulta de uma cooperação com o Japão. No início dos anos 70, o Governo japonês desenhou no Brasil um programa de recuperação de uma área de savana, que é igual à savana moçambicana. Ora, hoje aquela é a área mais fértil e de maior produtividade por hectare no Brasil. Depois de conversarem com as autoridades moçambicanas, o Brasil e o Japão decidiram partir para a concepção de uma réplica do programa desenvolvido no Brasil, que na altura foi considerado a maior revolução agrícola do século XX. Essa experiência está sendo adaptada para Moçambique numa área superior a 600 mil hectares nas províncias de Nampula, Zambézia e Niassa. Já fizemos todo o levantamento sobre a qualidade da terra e vimos, por exemplo, que ela é um pouco melhor do que a savana brasileira. Vamos começar a fazer a correcção dos solos e a desenvolver sementes adequadas. Como filosofia, queremos estimular uma agricultura mais comercial e, paralelamente, estimular mecanismos de conjugação do pequeno agricultor com a grande agricultura. Este é um projecto que pode transformar o norte de Moçambique! Not – Em termos concretos, quando é que teremos resultados no terreno? ASS – A primeira fase vai durar 12 anos. O projecto implica a construção de sistemas de irrigação, estradas entre outras facilidades, além de que se vai desenvolver ao longo do corredor de Nacala. Todas as partes estão envolvidas na preparação, mesmo em termos de custos. Assinámos os acordos, começamos com o trabalho de demarcação da área. É um projecto caro, de longo prazo, mas que vai envolver a iniciativa privada. Não será para experiências. Será bem maior do que isso. Vamos dar um maior aproveitamento da terra e aumentar a produtividade por hectare. (A. Marrengula)MUDANÇA DE PRIORIDADE É CARTA FORA DO BARALHO . Maputo, Segunda-Feira, 8 de Novembro de 2010:: Notícias. MOÇAMBIQUE e Brasil vivem hoje um momento virtuoso das suas relações. A subida ao poder da recém eleita presidente Dilma Rousseff até podia configurar o risco de alteração da filosofia de cooperação entre os dois países, possibilidade à partida descartada são apenas pelo facto de Dilma e Lula serem do mesmo partido, mas sobretudo porque ela, garante o embaixador Sousa e Silva, conhece as prioridades nacionais.Not – Ao que tudo indica, o presidente Lula tem uma grande afinidade política com a presidente eleita, o que pode ser entendido como normal tratando-se de membros do mesmo partido. Há algum risco de Dilma Rousseff vir a alterar o rumo das relações com Moçambique, colocando outras prioridades? ASS - O Brasil está a crescer. Hoje tem uma posição no mundo cada vez mais activa. Está engajado em grandes temas mundiais como a ampliação do Conselho de Segurança, a segurança alimentar, a democracia, as mudanças climáticas, a inclusão social e outros. Dentro desta postura é natural que o Brasil amplie cada vez mais a sua rede de cooperação. Ele hoje já não depende mais da vontade de um governante. Se o Brasil quer ser visto como um país sério e respeitado não pode começar uma coisa e parar. Portanto, não vejo nenhum risco nesse sentido. Not – No geral, como é que o senhor embaixador avalia as relações entre Moçambique e Brasil? ASS - Sinto que Brasil e Moçambique vivem hoje um momento virtuoso. A troca de visitas presidenciais é sinal disso. A intensidade das relações, o entendimento entre os governantes, a presença de empresas brasileiras em Moçambique, são outros sinais que encorajam. Não há nenhum pendente entre os dois países. As coisas estão a evoluir e agora podemos ver coisas concretas no terreno, resultado daquilo que são os entendimentos entre os dois países. Do ponto de vista político tem havido uma coincidência nas nossas posições em relação aos assuntos internacionais, compartilhamos as mesmas preocupações, e temos notado com agrado que, muitas vezes até as soluções coincidem. Há um entendimento e respeito mútuo. Não impomos nem condições nem cooperação que não sejam do interesse de Moçambique e que não tenhamos capacidade de o fazer. Se nos pedirem para construirmos uma plataforma para o lançamento de foguetes para ir à lua, ai diremos, falem com a NASA, porque não adiantará falar com o Brasil. Júlio Manjate." Fonte Jornal NOTICIAS.
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