terça-feira, 14 de março de 2017

NOVOCINE DA BEIRA, COMO E PORQUE FOI CONSTRUIDO E OUTRAS ESTÓRIAS DE SOFALA , MOÇAMBIQUE

Assim nasceu o NOVOCINE da Beira editorial Desta vez decidi provocar o meu mano Augusto Macedo Pinto a libertar algumas famosas estórias culturais da Beira e algumas das quais ele acompanhou porque estava nessa altura na Beira. Ele vai- -nos contar também como apareceu a casa de cinema Novocine na Beira. O que ele contou: “Falar da Beira é falar da Província de Sofala e a questão das culturas. Não é por acaso que a Beira tem o estatuto de cidade desde 20 de Agosto de 1907, ainda tempo da Monarquia, em homenagem ao Príncipe da Beira D. Luís Filipe que foi o primeiro membro da família real Portuguesa a visitar Moçambique. A forte tradição cultural da Beira e da Província pode ter como raízes o Império do Monomotapa, a mestiçagem de influência cultural chinesa, indiana (com especial relevância a goesa), árabe, portuguesa e outros europeus, ao longo dos séculos. Possivelmente isso explica a forte tradição cultural tão acarinhada até aos dias de hoje que passa ainda pelo teatro, pela música, pela dança e também pelo cinema. Recordo- -mo, por exemplo, algures entre 1964 e 1965 o então dono dos cinemas Olímpia, Nacional e S. Jorge (CUCA), penso que não me engano ser o Sr. Victor Gomes resolveu aumentar os bilhetes de entrada de cinema. Convém referir que a prática da ida ao cinema na Cidade da Beira pelas várias classes sociais de então, e de acordo com as possibilidades de cada um, era uma rotina e uma necessidade, ia-se mesmo ao cinema. A população da cidade organiza-se e constituem piquetes não para evitar o fura- -greve mas para criar condições do mínimo legal de participação de utentes que obrigasse o proprietário a dar o espetáculo de cinema com grande prejuízo, portanto era uma greve muito sui géneris. A população não ia ao cinema mas tinha piquetes constituídos com os grupos mí- nimos obrigatórios para o dono do cinema ser obrigado a dar a sessão com prejuízo. Face a esta situação de alteração social da Beira, veio a polícia de choque da então Lourenço Marques (actual Maputo) para pôr cobro pela força aos piquetes. Então, a resposta foi a cidade organizar-se em cooperativa e construir o NOVOCINE, ainda hoje existente. Convém referir que em finais da década 60 o NOVOCINE era, à época, a melhor sala de espectáculos quer em nível de infraestruturas, cadeiras flexí- veis, ecrã da melhor tecnologia da época a nível mundial, ficando a ser o melhor espaço de cinema jamais existente do que na então Lourenço Marques, Lisboa, Luanda ou qualquer outra cidade do domínio colonial português da altura. Assim nasceu o NOVOCINE da Beira. Da Beira cultural e de gerações recentes podemos citar Chiquinho Conde, futebolista, Mia Couto, escritor, Pedro Boese, artista, Madala e Izaú Menezes, músicos, Carlos Cardoso, jornalista, José Rodrigues dos Santos, jornalista e escritor português, Maria Roeff, atriz portuguesa e de gerações mais antigas e que pela Província de Sofala passaram, Zeca Afonso, que homenageou um dos bairros mais conhecidos da Beira, a Xepangara com a música “Lá no Xepangara”, António Menano em Inhaminga, médico e fadista de renome de Coimbra que esteve na Província de Sofala de 1933 a 1961, Luís de Camões que daqui partiu algures entre 1570-1580 para Portugal. Ainda nesta Província de Sofala teremos a primeira obra de construção civil de todo o litoral do Oceano Índico cujos trabalhos de construção ter-se-ão iniciado a 25 de Setembro de 1505. Em 1586 Frei João Santos na sua obra Etiópia Oriental, refere já a existência do Mikate (um tipo de pão rural que perdura ao longo dos séculos até à actualidade). Temos Mikate feito de farinha de arroz, temos Mikate feito com farinha de meixoeira, com farinha de milho entre outros. Mas, temos ainda a referência nessa obra atrás citada e na crónica da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, em finais do Séc. XV, quando passou por Moçambique e Sofala, a referência aos “figos” que vieram a ser, nem mais, sabe-se lá quando, as bananas que ainda hoje pelo menos nas línguas sena e nhúngue se continuam a chamar “figo” ou “mafigo” à banana. Para finalizar vou parafrasear Silva Dunduro, artista de Sofala, “quando a cultura era marginalizada, muitas vezes parece que a cultura se reduz a organização de canto e dança, para a recepção de um grande dirigente. A cultura é muito mais, ela é a nossa dignidade e o símbolo da nossa existência”. Esta é uma parte da estória cultural da Beira e de Sofala.” Obrigada mano Gu pela linda estória."
FONTE: MAGAZINE INDEPENDENTE, PÁGINA 7, EDIÇÃO 14 DE MARÇO DE 2017, JORNAL DE MOÇAMBIQUE.

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