terça-feira, 29 de março de 2022

DOCE AMARGURA , OBRA DE PAUL LAPERRE, , PRODUCAO DE ACUCAR EM MOCAMBIQUE ENTRE 1888 E 1988, SENA SUGAR ESTATES, A SUA PERSPECTIVA DE UMA ÉPOCA.

INÍCIO CULTURA "Em 1974, o exército português queria ir embora o mais rápido possível da guerra" Não é um livro de História, mas a história que conta Doce Amargura sobre mais de um século de existência da companhia Sena Sugar Estates em Moçambique mostra-nos como era a política para a "África portuguesa". Paul Laperre trabalhou nessa propriedade gigante e, após décadas de ausência devido à guerra civil, voltou ao Luabo. Foi-lhe impossível não contar a sua experiência. Outras novidades: A Grande Aventura de Mário Correia e Em Busca de um Reino de Laurence Bergreen. As antigas instalações da Sena Sugar Estates As antigas instalações da Sena Sugar Estates© DR João Céu e Silva 28 Março 2022 — 00:00 Facebook Twitter Comentar Partilhar TÓPICOS Novidades literárias Livros Cultura colonialismo História de Portugal Paul Laperre Francis Drake Moçambique Salazar Guerra Colonial Um livro mais amargo do que doce quando o tema é a produção de açúcar em Moçambique entre 1888 e 1988. Daí que o título não possa fugir a Doce Amargura - Vida e morte do império açucareiro Hornung na Zambézia. Justifica o autor: "Um livro amargo a vários níveis porque atualmente olho para um grande projeto que foi destruído ao fim de um século, apesar de ser muito necessário a Moçambique". Para Paul Laperre existem muitos "culpados" neste desfecho além das lutas que se seguiram à independência de Moçambique em 1976 e considera que "se aquela família, os Hornung, tivesse agido com antecipação e evitasse o destino que estaria para acontecer a 25 mil pessoas envolvidas com o fim do império português" tudo poderia ter sido diferente. Não é apenas uma amargura pessoal, garante, "porque a falta de perspetiva dos africanos que perderam o emprego e ficaram sem um futuro decente por várias gerações" também ficou confirmado quando há uns anos regressou à antiga propriedade onde trabalhara, viu que dela apenas restava a destruição de todas as infraestruturas, e decidiu contar uma história que foi tanto de sucesso empresarial como de escravatura. Relacionados Palcos. Reflexão sobre memória e colonialismo marca a próxima temporada da Culturgest Livro. Grada Kilomba: "Ainda hoje glorificamos e romantizamos o colonialismo" Cinema. A "ferida pós-colonialista em Portugal" testada por Kapuscinski "Em 1974, o exército português queria ir embora o mais rápido possível da guerra" A Sena Sugar Estates ainda estará na memória dos portugueses que estiveram em Moçambique, pois era uma das grandes iniciativas empresariais naquela "colónia", e este livro conta - de uma forma tão apaixonada como crítica - o que foi a sua existência. Fundada por John Peter Hornung, um inglês que casou com uma portuguesa e, por herança dela, decidiu introduzir o cultivo da cana-de-açúcar no Baixo Delta do Rio Zambeze no final do século XIX. A história da propriedade confunde-se com a história mundial e a política colonial portuguesa, que o geólogo Paul Laperre acompanhou nos derradeiros anos, em que foi também obrigado a uma reeducação marxista-leninista antes de abandonar a região do Luabo, onde viveu e nasceram dois dos seus filhos. Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão. Endereço de e-mail SUBSCREVER O retrato que deixa está distanciado dos sentimentos que lhe poderiam toldar a análise, pois tenta sempre distanciar-se do retrato que viveu nos tempos gloriosos e nos finais da propriedade. E, não sendo português - mesmo que fale razoavelmente a língua e conheça bem a nossa história -, é uma fonte menos comprometida com o colonialismo que pretendeu manter-se em África após a onda de independências a partir dos anos 1950, realidade que o império português tentou contrariar a todo o custo e que a Revolução de Abril abandonou apressadamente. Paul Laperre, o autor do livro sobre a Sena Sugar Estates Paul Laperre, o autor do livro sobre a Sena Sugar Estates© DR O que conta neste livro tem muito a ver com a colonização portuguesa, sem uma atenção aos novos tempos, e que só poderia terminar daquela forma? Sim, mas devemos ser honestos e considerar que não foram apenas os portugueses a quem faltou perspetiva, pois nessa época existiam muitas outras colónias e a situação foi a mesma nos vinte anos anteriores. Os europeus estiveram em África por quatro séculos, como foi o caso dos holandeses, e com o fim da II Guerra Mundial deveriam ter mudado a realidade. Reagiram demasiado tarde. Foi difícil resumir mais de um século desta propriedade em 500 páginas? Sim. Este foi um projeto que começou por querermos deixar, a minha mulher e eu, uma memória sobre a companhia Sena Sugar Estates. Tive de deixar muitos episódios de fora, tentar sintetizar o que era importante, mesmo que ao fazer este resumo deixe de fora muitos pormenores interessantes - era inevitável. Tudo começou quando regressámos a Luabo há uns anos e reencontrámos outra história entre as ruínas do que deixáramos antes, com reencontros com pessoas da nossa época que nos fizeram compreender o que e como mudou. Nunca esquecemos essa vida anterior, mas era impossível encaixar todo esse relato num livro porque a editora não aceitava mais páginas no livro. "Quando se apanhava um autocarro para a cidade da Beira não havia segregação racial, íamos todos juntos, mas se queriam uma carreira profissional, isso era impossível." Como foi a pesquisa final, designadamente sobre o lado português? Não foi difícil refazer a história porque tive muita sorte ao encontrar o arquivo dos Hornungs, que esteve guardado até 2002 nos estábulos das suas cavalariças no Sussex, onde existia no meio da merda dos cavalos muita documentação sobre a propriedade. Alguém teve o bom senso de preservar essas 68 caixas relacionadas com os negócios da família, até diários pessoais. Depois, outra sorte, ao tentarmos contactar com gente da época em 2010, a pedir informações, foram muitos os portugueses que nos responderam. E ainda refizemos contactos com várias pessoas em Moçambique que nos ajudaram nesta investigação. Desde o princípio sentiu que era necessário fixar a posição das políticas do governo português? Eu não queria escrever um trabalho académico formal, mas tentar colocar a Sena Sugar Estates dentro do seu lugar social e económico e incluí-la numa história mais global sobre os tempos pré-Salazar, os dele e o pós-Salazar, de forma a contextualizar a narrativa. E nessa parte não foi necessária muita pesquisa, porque há vários trabalhos publicados e bastava lê-los de forma a obter a fotografia completa sobre o período de tempo em que tudo aconteceu. Ao olhamos para trás, é aceitável que Salazar não tivesse o vislumbre necessário sobre a exigência de uma mudança política na colonização? O que penso é que Salazar era um homem muito estranho. Portugal não era a democracia atual e, no princípio da sua governação, ele impôs a ordem num país muito caótico. Creio que ao fazê-lo teria também a possibilidade de desenvolver as colónias e ao não o fazer criou o seu maior fracasso - que Marcelo Caetano prolongou. Principalmente, no início dos anos 1960, quando se cheirava a mudança de uma forma muito percetível. Como não se verificou, isso faz-me pensar que vivia numa bolha. Não só ele, pois os Hornungs ainda hoje também vivem assim. O nosso mundo não é o deles; são boas pessoas, mas distantes da realidade. Comprovei isso ao visitá-los há uns anos no Sussex, onde se mantêm isolados na sua enorme propriedade. As antigas instalações da Sena Sugar Estates As antigas instalações da Sena Sugar Estates© DR Pode dizer-se que este livro é também uma análise da colonização portuguesa? Sim, é, mas também das outras colonizações e que fixa uma certeza: terem feito muito pouco e demasiado tarde. Acontece o mesmo com a colonização holandesa, por exemplo, daí que não compreenda porque após a II Guerra Mundial não começaram a promover uma melhor formação dos povos, pois a escola primária é muito pouco. Aqueles territórios precisavam de técnicos, engenheiros, médicos, e mesmo em 1974 não era permitido aos africanos - não só pelos portugueses, mas por ingleses, por exemplo - ocupar lugares importantes nas sociedades. Quando se apanhava um autocarro para a cidade da Beira não havia segregação racial, íamos todos juntos, mas se queriam uma carreira profissional, isso era impossível. Porque escolheram os Hornungs Moçambique para fazer fortuna? Como muito na vida foi uma casualidade. O fundador era um inglês muito próximo dos portugueses e, após tentar a sua sorte em Lisboa a fazer estradas, em vez de regressar a Inglaterra apaixonou-se por uma portuguesa. Casou com uma Paiva Raposo, cujo pai tinha uma grande propriedade em Moçambique, e após a sua morte pensou em tentar ganhar a vida lá. Se tivesse conhecido uma inglesa, tudo seria diferente. Chamavam à propriedade A pérola do Zambeze. O seu destino seria sempre de perder o seu valor? Poderia ter tido outro destino, pois o delta do Zambeze é uma das zonas mais prósperas da Terra. Eu, que sou geólogo, posso defini-la como o paraíso onde tudo poderia ser cultivado. Quando Hornung vai para lá, nada existia à volta, apenas savana a toda a distância. Ele criou todas as infraestruturas energéticas para a exploração agrícola, transformação e exportação da produção agrícola. Acredito que essa região volte a ser muito importante. A propriedade sobreviveu à primeira e segunda guerras mundiais mas não à independência de Moçambique. Era inevitável? É sempre fácil dizer coisas acertadas posteriormente, mas à época não se percebe. Parte do drama deve-se à presença portuguesa, outra aos movimentos de libertação. Eu percebia que havia o desejo de se criar uma nova sociedade a seguir à independência, mas não decorreu de uma forma bem sucedida. Tinham uma estratégia, mas era sob os contornos marxistas-leninistas, ou seja, se queremos construir uma nova sociedade temos de destruir a antiga. Isto não funciona! No momento em que a independência se deu, eu passei a ser um colonizador e a fazer parte do sistema anterior. E aí, sem técnicos para manter a refinaria a funcionar e tudo o resto que a fazia existir. Ainda a acrescentar havia a luta entre Frelimo e Renamo! Nem queira saber... quando Moçambique se tornou independente em 1976, a classe média que aí vivia ficou sem casas que tinham adquirido, a organização familiar acabou, as escolas fecharam... a Frelimo chegou, fomos todos para campos de reeducação, e perdeu-se essa gente durante meses. Os europeus partiram de seguida e a cada mês podia-se observar as plantações da cana-de-açúcar a apodrecer - uma visão inimaginável até poucos meses antes. Foi a vingança de uma exploração e quase escravatura de séculos? Se olharmos para os ensinamentos marxistas-leninistas encontram-se lá aspetos positivos, afinal todos sonhamos com uma sociedade mais igualitária; a questão é que no momento em que esse pensamento domina o sistema, transforma-se num problema. Porque os responsáveis ficam com muito poder e no fim não se preocupam com as classes mais pobres. Foi o que aconteceu em Moçambique, basta olhar para a história das últimas décadas. E continuam pobres ao fim de quarenta e muitos anos. É preciso compreender que muitos condenavam o colonialismo, no entanto perderam-se os empregos, a educação, entre muitas outras coisas. Diz que líderes como Eduardo Mondlane perderam a face em relação à prometida transição pacificado poder. Deixaram de acreditar nesse género de transição após a independência? Homens como Mondlane eram boas pessoas mas havia outros. Nunca confiei em Samora Machel, quando se o ouvia percebia-se que era uma pessoa interessante mas ao mesmo tempo não se importava em matar. Ele foi o líder da resistência, daí que tivesse de ser violento. Em 1974, o exército português queria ir embora em vez de estar naquela guerra e o mais rápido possível. Podia ter havido um referendo, mas os militares não queriam saber de eleições ou qualquer outra solução no pós-25 de Abril. Os nacionalismos floresciam desde o fim da II Guerra Mundial. Era impossível não prever o que iria acontecer? Todos sabíamos que iríamos ser a última geração a trabalhar em África porque uma grande quantidade de países africanos já se tinham tornado independentes. Era óbvio que a parte portuguesa seguiria o mesmo caminho, quer Portugal quisesse ou não. Paul Laperre Editora Casa das Letras 566 páginas Outras novidades "Em 1974, o exército português queria ir embora o mais rápido possível da guerra" A epopeia aérea de Sacadura Cabral e de Gago Coutinho cem anos depois O centenário da primeira travessia aérea do Atlântico Sul entre Lisboa e o Rio de Janeiro celebra-se este ano, mas são poucas as comemorações. Talvez porque o mundo esteja tão conturbado; talvez por que ao olhar-se para o "feito" de Sacadura Cabral e Gago Coutinho se reveja cem anos depois que uma travessia que deveria ser feita num único avião se tivesse desdobrado por três aeronaves até se cobrir todo o mar que separa os dois países... no entanto o que aconteceu em 1922 emocionou milhões de portugueses e brasileiros e ficou no imaginário da aviação incipiente como uma realização excecional. Entre as poucas celebrações está o livro de Mário Correia, A Grande Aventura, que refaz a viagem através de documentação pouco conhecida e com bastantes pormenores e rigor. O relato do também aviador contextualiza a época e os momentos mais pioneiros que se seguiram à primeira vez em que um "avião" se elevou durante 36 metros e por doze segundos. Seguiu-se o voo pioneiro de Santos Dumont no 14 Bis, durante 220 metros... e anos depois, em 1919 um hidroavião amarou no rio Tejo e fez sonhar Sacadura Cabral com a referida grande aventura. O recurso aos diários dos dois pilotos portugueses traz novidades e acrescenta informações mais exatas a esta narrativa de quem sobrevoou 8300 quilómetros do Atlântico e atualizou a navegação por sextante como séculos antes tinha permitido aos navegadores portugueses descobrirem o mundo. Mesmo em pandemia e em guerra, este é um livro que deve ser lido, até para perceber a dificuldade de certos sonhos que se transformaram em marcos históricos. Mário Correia Editora Oficina do Livro 199 páginas "Em 1974, o exército português queria ir embora o mais rápido possível da guerra" Os saques de Francis Drake pelo litoral português em nome do ódio a Espanha As diatribes do pirata Francis Drake com o beneplácito da sua rainha, D. Isabel, são bem conhecidas, bem como o seu ódio a Espanha. Em 1587, após um violento ataque a Cádis, o pirata navegou em direção a Portugal e andou a bordejar a costa e a atacar vários pontos. Essa descrição justifica a leitura de Em Busca de um Reino de Laurence Bergreen, porque dedica várias páginas ao que fez por cá. A 14 de maio aproxima-se de Lagos, faz entrar num dos mais famosos entrepostos de escravos um milhar de soldados e conquista o forte sem dificuldade. Nos dias seguintes, avança para Sagres e captura perto de uma centena de caravelas e naus portuguesas, queimando muito do que transportavam, mas poupando as vidas dos marinheiros. Em seguida, navega até Lisboa e fundeia em Cascais, onde exige uma troca de prisioneiros. Dias depois, viaja para os Açores e começa por capturar a embarcação São Filipe, logo acrescentando outras que iriam enriquecer os que o acompanhavam com o valor dos saques. O ódio aos espanhóis que então dominavam Portugal não levava Drake a desrespeitar a mais antiga marinha, a portuguesa, ou o legado de Vasco da Gama, daí que poupasse os deste lado da Península Ibérica nos seus sucessivos saques na região sem, no entanto, demonstrar de forma violenta todo o seu poder de fogo e desrespeito à armada espanhola enquanto espoliava o litoral do país. Episódios de um relato de aventuras marítimas que em muito ajudaram a formar a Inglaterra e que este biógrafo de Francis Drake retrata neste volume Laurence Bergreen Bertrand Editora 479 página FONTE DIÁRIO DE NOTICIAS

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