E se a cozinha portuguesa não for a campeã do mundo?
8 AGOSTO 2021 8:12
A comida é dos temas que mais exacerbam o orgulho nacional. Mas há mitos que devíamos desconstruir. O primeiro deles é o do amor incondicional do resto do mundo pela nossa cozinha. Ricardo Dias Felner, jornalista, autor do livro “O Homem Que Comia Tudo”, chegou à conclusão de que precisamos de um banho — um caldinho, vá — de humildade
A4 de julho de 2015, a cozinha portuguesa foi atingida por um meteorito. Desde que Mark Twain passara nos Açores, caracterizando as suas gentes como “pouco melhores do que os burros com que dormem e comem”, que nenhum estrangeiro terá achincalhado assim a cultura lusa. Num artigo no “The Times”, o crítico de restaurantes Giles Coren desfez a gastronomia nacional.
O arranque dizia: “A cozinha portuguesa é a pior do mundo. Ou, pelo menos, a pior de todas as nações quentes do mundo. Obviamente, a cozinha irlandesa poderá competir com ela. Ou a polaca. Mas na sua insipidez de chumbo, na sua insipidez hiperssalgada, a comida de Portugal é, na melhor das hipóteses, o que a cozinha de Inglaterra seria se o país tivesse melhor clima.”
A provocação voou pelo canal da Mancha com a rapidez da internet. Nunca tantos portugueses terão lido o “The Times”. A metrópole e a diáspora foram rápidas no contra-ataque. Coren era pateta, ignorante, escroque. Em minutos, o artigo estava a ser partilhado pela lusofonia, com ameaças de morte nos hashtags. Falaram cozinheiros profissionais e amadores, falaram entidades e haters, clientes da feijoada e do Michelin. Na sua página do Twitter, na ressaca da publicação, perante a avalancha de comentários, Coren escreveria: “A julgar por todos os portugueses com um seguidor a chamar-me de ‘cabrão’ esta semana, penso que sozinho consegui trazer um país inteiro para o Twitter.” Mais à frente diria: “Sou tão mau com tecnologia. Onde está a função mute que permite silenciar um país inteiro?”
O chefe Rui Paula, do estrelado Casa de Chá da Boa Nova, no Porto, foi um dos que pediu retaliações: “Certamente, alguém com responsabilidades em limpar o bom nome da cultura de um povo que acaba de ser enxovalhado tomará medidas para pôr este senhor no seu devido lugar.” Naturalmente, ninguém tomou medidas. E o povo continuou comendo e rindo, confiante de que a sua cozinha — o seu vinho, o seu pão, o seu queijo, os seus enchidos — era a melhor do mundo.
Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.
FONTEÇ JORNAL EXPRESSO DE PORTUGAL.
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