- A educação é a grande bandeira do Programa Indicativo de Cooperação (PIC) Portugal/Cabo Verde para até 2015. Em que moldes acontece neste momento a cooperação neste sector entre Portugal e Cabo Verde?
A cooperação portuguesa com Cabo Verde está muito desenvolvida, sendo a educação e a ciência os pontos fundamentais. Estamos no entanto a entrar numa fase mais avançada. O que me traz a Cabo Verde desta vez é ver com o vosso ministro do Ensino Superior, Ciência e Inovação, António Correia e Silva, a forma como os nossos países podem cooperar na formação científica avançada e no desenvolvimento cientifico. Esta fase da cooperação entre estes dois países tem a bandeira da formação cientifica e das universidades como prioridade.
- O fluxo desta cooperação diminuiu com a crise? Em que áreas?
Não tenho números comigo, mas não vejo que seja uma questão dependente da crise económica.
Uma das grandes áreas de aposta deste PIC é a Capacitação Científica e Tecnológica. Como pensa Portugal cooperar com Cabo Verde neste domínio?
Cabo Verde tem progredido muito neste sentido. Tem um conjunto de universidades a desenvolverem já produção cientifica avançada.
- Nesta sua visita a Cabo Verde, no âmbito de um seminário sobre a cooperação para a promoção da formação de cientistas da CPLP, através do fomento à pós-graduação, vai encontrar-se com os Ministros de Ciência e Tecnologia de Cabo Verde, Angola e Brasil. O Centro de Excelência e Tecnologia criado com o beneplácito da UNESCO será um instrumento de cooperação nesta matéria?
Será um instrumento de cooperação com todos os países de língua portuguesa. Cabo Verde está, neste momento, a dar um bom exemplo de como podem ser utilizadas as perspectivas que se abrem neste novo mundo. Esta actividade inserida no curso de pós- graduação de ciências para o desenvolvimento é uma excelente actividade que foi desenvolvida sob os auspícios de Cabo Verde com a colaboração empenhada de Portugal e do Brasil, através das bolsas que concederam e com as programas concebidos pelo Instituto Gulbenkian de Ciência envolvendo alunos vindos de todos os países da CPLP. E é por isso um exemplo emblemático daquilo que o centro UNESCO pode desenvolver. Mas gostaria de esclarecer que o centro UNESCO não é português, foi sim decidido pelos países da CPLP e Portugal foi o país escolhido para fazer as negociações com esta instituição. Está em Portugal pela simples razão de o centro da CPLP estar em Lisboa, como também poderia estar na Cidade da Praia, ou numa outra. Este programa é muito avançado e excelente em termos cientificos, abrangendo por isso os melhores cientistas nas áreas de ciências da vida de todo o mundo. É por conseguinte um emblema daquilo que nós CPLP queremos fazer. Chegamos a uma fase em que é necessário fazer uma formação avançada de cientistas e de académicos para que as nossas universidades e investigação científica possam desenvolver-se. O ministro Correia e Silva é um dos que têm feito mais pressão no seio da CPLP para que a nossa comunidade seja não apenas de colaboração nos aspectos políticos, diplomáticos, culturais e históricos como também numa cooperação nos aspectos da educação, tecnologia e ciência. Tem sido verdadeiramente uma voz activa nas reuniões da CPLP por esta causa. O próprio facto de neste momento estarem a finalizar o encontro da primeira fase, da primeira edição, do primeiro programa de pós-graduação em ciência para o desenvolvimento é testemunha do grande empenho do ministro, do ministério e de Cabo Verde na educação cientifica e na formação de quadros de alto nível, que são necessários às universidades e para a investigação cientifica.
- Cabo Verde já tem seis universidades. Para um país das nossas dimensões e a formar de certa forma numa lógica de massa, ficando assim a descoberto o necessário investimento na educação de elite, será um risco a forma como estamos a investir na educação, tendo em conta os constrangimentos que pode vir a trazer a curto prazo?
Não acho que deve ser visto como um risco. Este é um processo normal dos nossos países. Todos nós temos deficiências em determinadas áreas e temos que ir avançando com ambição, mas num progresso etapa a etapa. Portugal passou por uma fase de implantação de universidades em todo o território e de grande acesso ao ensino superior. Essa fase permitiu, e foi feito em paralelo com, a formação mais avançada. Neste momento temos doutores numa proporção razoável em todas as universidade e excelentes centros de investigação em todo o país. Portanto é um caminho que tem que ser feito, é natural que Cabo Verde precise de ter universidades, cursos superiores e precisa de ir criando os académicos e cientistas necessários para chegar a um novo patamar de ensino em Cabo Verde.
- Mas esta opção faz com que, tanto em Cabo Verde como em Portugal, o mercado não tenha capacidade para absorver todos os quadros formados, daí um elevado número de licenciados desempregados.
Habituámo-nos há alguns anos a que o licenciado teria o emprego garantido. Neste momento tanto os licenciados como os outros níveis de diplomados têm que lutar pelos seus empregos. E isso é um processo normal, até porque muitos países mais desenvolvidos têm realidades semelhantes. O que acontece de facto é que quanto mais qualificarmos os nossos jovens, melhor preparados estarão para enfrentarem os desafios que a sociedade lhes coloca. Podem não encontrar imediatamente o emprego, mas estarão melhor preparados para procurá-lo e serem bem sucedidos. É preciso ter em conta que um licenciado tem maiores probabilidades de entrar no mercado de trabalhar que alguém que não tem um curso superior. E aqueles que entram no mercado laboral com um diploma superior têm muito maior remuneração que aqueles que não têm. Não podemos desvalorizar o ensino superior só pelo facto de nem todos terem emprego exactamente no momento que queriam. Temos que sempre incentivar os nossos jovens a terem melhor formação. Uma outra questão é a relação entre a oferta formativa e as demandas do mercado de trabalho. Não queremos condicionar ninguém, mas sabemos que as áreas técnicas têm no geral mais emprego – sem querer dizer que as outras áreas sejam menos necessárias. O que se passa realmente é que muito jovens não acedem a essas áreas porque não trazem a preparação de base em áreas como matemática, química e física e noutras áreas necessárias para o ensino das vias técnicas. Temos é que garantir que isso não acontece. É necessário ter uma boa formação de base que permita às pessoas optar pela formação que desejarem.
- Estas disciplinas são tidas como o “bicho papão” do sistema de ensino. As instituições têm falhado no seu ensino?
Em Portugal o que falha é o facto de no momento certo não se aprender as coisas certas. No caso das disciplinas mais técnicas, a questão é que precisam de uma dedicação contínua – o que por vezes os nossos jovens não fazem. Por isso temos que insistir para que na altura própria adquiram os conhecimentos necessários para garantir uma boa formação-de-base.
- Que vantagens pode a aposta na ciência trazer para um país como Cabo Verde?
Em primeiro lugar traria vantagens para os próprios jovens porque aqueles que seguem carreiras técnicas têm à partida condições mais favoráveis que os outros. Depois traria vantagens para o próprio país visto que hoje em dia o nosso desenvolvimento baseia-se grandemente na ciência e na tecnologia. Não queremos um modelo de crescimento baseado em salários baixos e julgo que Cabo Verde também segue esta lógica. Queremos um modelo de crescimento baseado na formação cientifica e na investigação, produtos modernos nas tecnologias de ponta. Por isso as vantagens são as de crescimento económico, de uma vida melhor e do desenvolvimento do próprio país.
Cabo Verde tem uma escola de hotelaria e turismo que, embora funcione bem, nalgumas áreas ainda apresenta lacunas. O país tem também uma escola do mar ainda muito deficiente, tendo em vista o potencial que o país apresenta neste domínio. Este cenário exerce uma grande pressão sobre o ensino das áreas estratégicas. Acha que vamos conseguir superar este “atraso”?
Uma das coisas que discuti com o ministro Correia e Silva no Mindelo foi a possibilidade de termos uma maior cooperação no que se refere tanto às ciências do mar como em relação à marinha. Isto no que toca tanto à biologia marítima e oceanografia, por um lado, quanto no que se refere à formação dos jovens em áreas úteis à navegação, como a mecatrónica, a pilotagem e as tecnologias necessárias aos navios. Há uma grande preocupação por parte de Cabo Verde em desenvolver estes recursos e, do lado português, há igualmente um grande interesse no seu desenvolvimento. Ambos os países têm a lucrar com esta colaboração e por isso tive longas discussões com o vosso ministro do Ensino Superior, Ciência e Inovação sobre o (DECM).
- Esta parceria seria para quando, tendo sempre em linha de conta uma lógica “Win Win”?
Já existe uma parceria neste sentido mas estamos a desenvolvê-la e a dar-lhe mais força. A nossa perspectiva é esta: ter benefícios mútuos, tendo em conta as claras vocações marítimas dos dois países e as extensas zonas económicas exclusivas e plataformas continentais. É por isso natural que procuremos soluções comuns.
- Prevalece a ideia de que fazer ciência é caro. Como podem países com poucos recursos como Cabo Verde contornar a falta de meios?
Nem sempre mais recursos e mais fundos significa melhor qualidade. Temos tido experiências que nos mostram exactamente isso. Daí que a nossa preocupação é sempre termos uma educação inteligente e focarmo-nos nos resultados dos alunos e dos sistemas educativos, sendo claro que isso necessita de recursos mas bem empregues. Num momento de grande dificuldades financeiras como aquele que se vive em Portugal, isso é ainda mais verdade. Portanto, todo o euro ou escudo aplicado tem que ser muito bem pensado. A ideia de que atirar o dinheiro para cima dos problemas resolve estes – é uma falsa ideia.
- Cabo Verde tem parcerias com a Holanda no domínio das energias renováveis. Com Portugal como está a cooperação nesta área?
As energias renováveis são uma preocupação comum aos dois países. Há algumas cooperações nestas matérias, mas não discutimos em concreto como é que podemos desenvolvê-las.
- Portugal tem se destacado a nível do ensino superior na área das novas tecnologias. Cabo Verde está a apostar nas (TIC) Tecnologias de Informação e Comunicação. Como pode Portugal ajudar Cabo Verde nesta área apesar da crise por que passa o seu país?
Cabo Verde pode contar com uma parceria com Portugal neste sentido. Acabamos de visitar o centro de dados NOSI e verificamos que há técnicos portugueses a colaborarem no seu processo de construção. Portanto, há cooperações que já estão a ser desenvolvidas de uma forma natural. Os nossos países têm uma história e realidade de cooperação muito intensa.
- Portugal ajudou Cabo Verde desde a primeira hora a montar o seu Ensino Superior, nomeadamente a universidade pública. Como está o seu país a participar neste momento na consolidação do Ensino Superior em Cabo Verde?
Há colaborações que felizmente as nossas universidades estão a fazer há alguns anos, sem necessitarem da interferência dos governos. As universidades têm desenvolvido essa relação de forma natural, sem deixar de ser do interesse dos governos facilitar esta relação quando necessário. E é um processo “Win Win” onde tanto as universidades portuguesas como as cabo-verdianas lucram com a cooperação.
- Portugal comprometeu-se a ajudar Cabo Verde na instalação do curso de medicina no país. Em que fase está o processo?
Mantemos essa disponibilidade: é um processo que está em desenvolvimento. Não tenho novidades especiais a dar sobre isso, mas mantém-se a garantia da disponibilidade das universidades portuguesas em colaborar com Cabo Verde.
- Como será essa ajuda de Portugal? Com recursos humanos? Recursos financeiros ou know-how?
Cada vez mais, a cooperação entre os nossos países é uma relação entre países iguais, que estão interessados em partilhar e desenvolver conhecimento e recursos humanos. Claro que haverá recursos financeiros envolvidos e, na medida das nossas possibilidades, manteremos esse tipo de cooperação. Mas as nossas preocupações neste momento, e julgo estar a interpretar bem as preocupações de Cabo Verde, são de uma cooperação entre países igualmente empenhados no seu processo de desenvolvimento.
- Portugal continua a ser um país de destino de muitos estudantes universitários cabo-verdianos. A crise fez mudar o sistema de atribuições de bolsas de estudo?
Continuamos muito interessados em receber estudantes cabo-verdianos e apoiá-los nos seus estudos em Portugal. O que se passa no entanto é que Cabo Verde está neste momento em melhores condições de formar os seus próprios recursos e por isso é natural que muitos estudantes façam a sua licenciatura em Cabo Verde. Estamos agora numa fase diferente em que vamos colaborar mais em Doutoramentos e Mestrados. E isso é um testemunho dos progressos do sistema do ensino superior em Cabo Verde.
- Começou a sua visita a Cabo Verde pela ilha de São Vicente: há algum motivo especial? Confirma que vem trazer um carinho especial à memória do Liceu Gil Eanes, durante anos o único Liceu de Cabo Verde?
- Estive no Mindelo com três objectivos: Primeiro, a longa história entre Cabo Verde e Portugal também se revela na história do Liceu Velho e sei que há escritores cabo-verdianos que foram educados ou foram professores nesta instituição. Tanto da parte de um como do outro país há um imenso carinho para com a história do Liceu Gil Eanes. Estive aí com o ministro Correia e Silva com o objectivo de prestarmos a merecida homenagem ao passado comum entre os nossos dois países. Estamos a cooperar na reabilitação do edifício. É sobretudo uma recuperação técnica em que profissionais portugueses estão a cooperar com os técnicos cabo-verdianos para que a reabilitação do edifício respeite a sua herança histórica, o ambiente que esse liceu criou e seja feita da forma mais equilibrada possível. Também tive uma reunião ainda em São Vicente onde estivemos a discutir as possibilidades de cooperação no desenvolvimento das técnicas ligadas ao mar. Estive igualmente reunido com os reitores das universidades para discutir a formação avançada que é necessária para os professores universitários. Tivemos uma troca de opiniões muito interessante e aprofundada.
- O que saiu desta reunião?
Essencialmente apercebi-me que há uma grande tensão entre dois factores: a urgência em ter professores qualificados e a necessidade de olhar a longo prazo para a formação dos docentes e, neste aspecto, a formação de alto nível é fundamental. E o programa de pós-graduação que começamos a discutir será um importante contributo para a formação dos docentes e investigadores cabo-verdianos.
- Esta questão da urgência de formação se calhar coloca-se de forma mais consistente no sector turístico que já está mais desenvolvido e que traz grandes desafios, tendo em conta que Cabo Verde quer ser uma plataforma de prestação de serviços. Até que ponto acha que vamos conseguir acompanhar essa pressão e fazer o devido upGrade?
Cabo Verde pode ser essa plataforma de prestação de serviços. Penso que o país está a fazer as escolhas certas na formação dos recursos humanos. Tive recentemente um encontro com o Primeiro-Ministro, José Maria Neves, em que me dizia que o vosso recurso essencial são os recursos humanos, daí o destaque que é dado neste momento à formação desses recursos. E eles são de facto a matéria fundamental para desenvolver as comunicações, o turismo, a produção de materiais próprios e o país de uma forma geral. Cabo Verde tem que contar, em primeiro lugar, com os seus recursos humanos e está a fazê-lo."
FONTE: JORNAL A SEMANA DE CABO VERDE.