terça-feira, 21 de maio de 2024

DOM DIAMANTI)NO ANTUNES BISPO DE TETE DE NACIONALIDADE PORTUGUESA NÃO TAPA O SOL COM A PENEIRA SOBRE A HISTÓRIA NEGATIVA DO PASSADO QUE OCORREU EM TETE, MAS PENSA NO FUTURO DO RELACIONAMENTO ENTRE OS DOIS ESTADOS MOÇAMBIQUE E PORTUGAL, EIS A ENTREVISTA DADA À TSF

"Devolver obras de arte? "É ato de reparação." A missão de um bispo português em Moçambique ÁFRICA 19 maio 2024 às 10h07 Devolver obras de arte? "É ato de reparação." A missão de um bispo português em Moçambique Diamantino Antunes TSF Manuel Vilas Boas Manuel Vilas Boas Diamantino Antunes, o bispo de Tete, em Moçambique, fala, em entrevista à TSF, dos massacres e dos mártires do passado, da violência em Cabo Delgado e dos desafios presentes e futuros de Moçambique, um país onde são mais os candidatos a sacerdotes católicos do que os lugares disponíveis nos seminários Dom Diamantino Antunes é o bispo de Tete, no Norte de Moçambique. Sente que pairam ainda por lá os fantasmas dos massacres que ali foram praticados pela tropa portuguesa em tempos de guerra colonial? Foi já há meio século... Sim, há meio século, um massacre, os mais conhecidos o massacre de Wiriyamu e o massacre de de Mocumbura. Mocumbura foi antes, em 1971, e Wiriyamu em 1972. Ambos na província de Tete e na diocese de Tete, onde sou bispo. A história e o tempo ocupa-se de sarar as feridas e eu penso que sim, que são aspetos negativos da nossa presença em Moçambique. Mas penso que os fantasmas já estão exorcizados. Isso é fruto de um trabalho de cooperação e de diálogo entre os dois estados que, não esquecendo a história, olham para o futuro. E nós como igreja estivemos presentes dando a conhecer estes massacres. Eu, pessoalmente, também a quando dos 50 anos do massacre de Mocumbura, menos conhecido com os missionários que estão lá, que voltaram há pouco tempo já depois dessa data: os missionários Padres de Burgos. Fizemos uma cerimónia e arranjamos o túmulo e fizemos um ato de reconciliação, estando presentes familiares e outros testemunhos. No que diz ao massacre de Wiriyamu é mais conhecido pela proximidade da Tete e pelo impacto que teve a nível internacional pelo número das vítimas. Penso que é parte da história de Moçambique, mas penso que é importante é pensar no futuro. Ouça na íntegra a entrevista com o bispo Dom Diamantino Antunes Play 00:00 00:00 31:33 Mute Acha, portanto, que a guerra colonial está definitivamente enterrada em Moçambique? Enterrada, não direi, mas penso que superada e estamos num patamar de de relação entre os dois povos que consideram mais importante ver o positivo, o futuro do que olhar ao passado e aos seus fantasmas. Eu também experimentei isso, que essa superação é possível. Eu, quando fui nomeado bispo de Tete, nunca tendo trabalhado na diocese de Tete, sendo português, eu senti também um certo medo. Como é que vou ser recebido? Qual vai ser a reação do povo? E sinceramente, fui recebido bem, ultrapassou as minhas expectativas e importante, de facto, é trabalhar, é manter relações com todos, sermos pessoas de de consenso e trabalhar para o desenvolvimento daquele povo que necessita. Necessita muito. Dom Diamantino: por estes dias levanta-se entre nós a polémica política sobre as restituições de obras de arte e outras, às antigas colónias portuguesas. Como é que o atual Bispo de Tete, que é português, reage à polémica que segue cada vez mais alterada entre nós? Sobre a situação das obras de culturais, de arte, acho bem, havendo condições para as conservar em Moçambique. O que é uma dificuldade, temos também que ser realistas. Porque é evidente que com tantas necessidades que o país tem prioridades, sem dúvida, nem sempre a cultura ou os museus ou os espaço de memória, têm os meios para poder conservar e preservar a memória histórica. Então eu digo, sim, é um ato de reparação, havendo condições para as acolher e conservar. Dom Diamantino Antunes acaba de lançar um livro que se intitula “Martírio e liberdade: os mártires de Chapotera”. Quem são estes mártires e que livro é este “Martírio e liberdade”? Os mártires de Chapotera são dois missionários jesuítas que foram mortos no dia 30 de outubro de 1985 em plena guerra civil Ou incivil porque foi uma guerra incivil, com muita violência, com muita morte. Quem eram estes dois mártires de Chapotera? Chapotera é o nome da aldeia onde eles viviam e foram mortos. E quem eram eles? Um moçambicano, o padre João de Deus Kamtedza, o primeiro sacerdote jesuíta moçambicano, o homem que optou já em idade madura por ser sacerdote missionário, fez a sua formação em Portugal e em Espanha e voltou em 1964, ao seu país, voltou à província de Tete, ao distrito de Angónia. Ele sempre trabalhou como missionário. Foi um homem que desenvolveu muito a língua e a cultura do seu povo – o povo angone -, e que se dedicou totalmente à evangelização e a promoção do Homem através da da educação e do empenho cívico, seja antes da independência e depois da independência. O padre Silvio Alves Moreira era dez anos mais novo do que ele - nasceu em 1941 em Reunião, Santa Maria da Feira. Era um jesuita português, foi ordenado em 1972, já próximo da independência. Envolveu-se com um espírito de grande abertura no que diz respeito à preparação da autodeterminação de Moçambique que aconteceu em 1975. E depois permaneceu no território moçambicano, num momento em que muitos missionários tiveram que abandonar o país. Foi um homem que se dedicou muito às pessoas com um carácter simples, aberto, generoso e corajoso, denunciando juntamente com o padre João de Deus Kamtedza, as arbitrariedades, os massacres que eram perpetados por ambas as partes, pela guerrilha da Renamo, e pelo exército governamental no conflito em 1985. Foi um ano horrível da guerra civil em Moçambique e sabemos que, como dizem em África, quando dois elefantes lutam entre si, quem sofre é o capim, é a erva. E quem sofria, de facto, era o povo. E os dois missionários optaram ficar naquela zona de conflito para denunciar as arbitrariedades, seja de uma parte, seja da outra, e ser profetas de paz e de denúncia da situação de injustiça que se vivia. Portanto, eram testemunhas incómodas, foram profetas missionários de fé, caridade e coragem, e por isso foram eliminados. Foram mortos de modo muito brutal, no dia 30 de outubro de 1985, em Chapotera. Veio um comando de homens armados. Tiraram-os de casa e conduziram-os ao lugar isolado e depois de torturas, mataram-os com golpes de de armas brancas e os corpos foram abandonados. Ninguém sabia onde estavam, pensavam até que tinham sido raptados. Os corpos foram encontrados cinco dias depois, já em estado de decomposição, comidos pelas feras. Isso foi um castigo, foi um a pena. A morte levada às suas últimas consequências e de modo muito inumano. Uma das causas que estão por trás da morte deles foi o facto de eles sepultarem os cadáveres das pessoas que eram mortas e que de propósito eram deixadas sem sepultura. Então eles faziam este ato de caridade, mobilizando a população. E quando os mataram, e abandonaram os corpos num lugar apartado, escondido, era próprio para que eles tivessem o mesmo fim daqueles que sepultaram por caridade

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