O Autarca – Jornal Independente, Terça-feira – 25/04/17, Edição nº 3247 – Página 04/05
Correspondênci@ Electrónic@
Por: Augusto Macedo Pinto (*)
A Beira e o 25 de Abril (**)
A 17 de janeiro de 2004, decorrem trinta anos sobre
os acontecimentos da cidade da Beira, Moçambique,
que vieram a ser determinantes na viragem da página da
História de Portugal, do seu regime político e, consequentemente,
abrir caminho à descolonização. Como adiante se
verá em quatro versões de autores e perspectivas diferentes,
unânimes são, no entanto, quanto aos efeitos dos tumultos
na cidade da Beira.
Por coincidência, encontrava-me nesse dia na Beira,
ainda como alferes miliciano, a prestar serviço militar
em Tete. Tínhamos combinado um jantar familiar num dos
restaurantes chineses, onde estaria o meu primo por afinidade,
o então comandante da 5ª Companhia de Comandos,
capitão Luciano de Jesus Garcia Lopes, hoje oficial-general
das Forças Armadas, daí a razão da minha presença, pois só
terminaria o serviço militar a 15 de fevereiro. A minha família
estava de regresso a Portugal no avião dos TAM
(Transportes Aéreos Militares), voo esse que acabaria por
trazer também de regresso o general Costa Gomes, Chefe
do Estado-Maior General das Forças Armadas que se tinha
deslocado à Beira por razão daqueles conflitos. Claro que o
jantar não se realizou.
O então Capitão Garcia Lopes encontrava-se de fé-
rias com a família na messe de Oficiais da Beira, no Macú-
ti. Sendo um oficial exemplar, sempre em operações no
mato, segundo então me contou, ficou chocadíssimo, perplexo
e incrédulo com os insultos ouvidos à sua pátria, à
sua farda e à sua família efectuados por um milhar de pessoas
que se juntaram, durante o fim da tarde e início da noite,
junto da messe de Oficiais. A Policia de Segurança Pú-
blica foi impotente no sentido de evitar o apedrejamento
aos militares e ao seu edifício, originando uma lesão com
maior gravidade ao Capitão Garcia Lopes com a fractura da
clavícula direita. Os cuidados médicos, pessoalmente pouco
amistosos no hospital da Beira, tiveram de ser continuados
ainda na então Lourenço Marques e posteriormente em
Lisboa. As manifestações das referidas pessoas prolongaram-se
durante a noite, só tendo terminado cerca da uma da
manhã, com a intervenção das duas secções da Policia Militar
sob o comando do capitão Garcia Lopes e após o abandono
do local pela PSP, que se manifestou impotente
para as dispersar, avançaram sobre as pessoas que atabalhoadamente
fugiram do local.
Para uma melhor compreensão e análise destes
conflitos/ tumultos ocorridos em janeiro de 1974, na cidade
da Beira e na Região Centro de Moçambique, permito-me
recomendar a leitura das obras de Avelino Rodrigues, Cesário
Borga e Mário Cardoso, “O Movimento dos Capitães
e o 25 de Abril - 229 dias para derrubar o fascismo”, da
Morais Editores, edição de 1974, pág. 284 a 287, de Jorge
Jardim, “Moçambique Terra Queimada”, da Editorial Intervenção,
edição de 1976, pág. 160 a 170, de Ricardo Saavedra,
“Os Dias do Fim”, da Editorial Noticias, edição de
1995, pág. 18 a 20 e de David Martelo, “1974 Cessar – Fogo
em África”, Publicações Europa América, edição de
2001, pág. 42 a 45.
Os autores Avelino Rodrigues, Cesário Borga e
Mário Cardoso referem-se aos tumultos na Beira no Capí-
tulo V “Raízes próximas do 25 de Abril”, no seu subtítulo
“Spínola apoia os capitães contra os racistas de Moçambique”.
Jorge Jardim aborda os conflitos da Beira tendo como
título ”Início do enfrentamento” e subtítulos “Tudo começou
na Beira” e “Planeando a descolonização”. Ricardo
Saavedra, no prólogo da sua obra, ao falar da situação na
Beira, sob o título “A marcha dos centuriões”, sendo um
dos três subtítulos para estes factos, cuja obra o autor considera
ficção. David Martelo insere a sua abordagem ao assunto
no Capítulo I, “A situação militar em África nas vésperas
do 25 de Abril”, no subtítulo “Situação moral”.
E a Beira de Moçambique vira a página da História
em Portugal: “Parece bem nítido, agora, que os acontecimentos
da Beira (desencadeados sob a inspiração dos “democratas”)
foram o “detonador” da acção revolucionária
que explodiu em Abril”, Jorge Jardim.
“No Congresso do Porto, os centuriões obtiveram o
rastilho para o Movimento dos capitães; nas manifestações
da Beira, coesão para atiçar os nobres sentimentos da classe
contra aqueles que os pretendiam transformar em bodes expiatórios”,
Ricardo Saavedra.
“Não é necessário ser muito entendido em questões
militares para compreender o efeito devastador produzido
no moral das tropas pelos acontecimentos da Beira. Constituíram,
de resto, um marco decisivo da caminhada para o
25 de Abril, relançando, no seio do Movimento dos capitães,
a questão da guerra e permitindo sensibilizar oficiais
até então renitentes em discutir os seus contornos políticos.”,
David Martelo.■
(*) Augusto Macedo Pinto, Advogado, Membro das Ordens dos Advogados
de Portugal e de Moçambique; Antigo Cônsul Geral Honorário de
Moçambique em Portugal; Membro da Associação Consular do Porto;
Fundador e membro da Associação Portugal Moçambique; e da Associação
Comercial da Beira (ACB) Sofala, Moçambique.
(**) Artigo de Opinião, publicado na pág. 13, na edição do Jornal de
Noticias do Porto de 16 de Janeiro de 2004, e na Pág. 04/05 da edição de
25.04.2016 do Jornal O Autarca.■
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FONTE: O AUTARCA, JORNAL DE MOÇAMBIQUE
FONTE: O AUTARCA, JORNAL DE MOÇAMBIQUE
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