O registo de direitos de propriedade industrial está a crescer gradualmente no seio do mercado nacional. Neste processo, tem havido muita tendência de imitação de marcas de produtos por parte de empresas e pessoas singulares.
Em entrevista ao nosso Jornal, o director-geral do Instituto da Propriedade Industrial (IPI), José Meque, traça o desempenho de um sector vital para a economia nacional. O nosso entrevistado fala ainda das perspectivas traçadas para a valorização dos produtos nacionais, com destaque para a carne de cabrito de Tete e o camarão do Banco de Sofala.
O Instituto da Propriedade Industrial (IPI) é uma instituição pública, com autonomia administrativa e financeira, tutelado pelo Ministro da Indústria e Comércio. Foi criado através do Decreto Nº 50/2003, de 24 de Dezembro, pelo Conselho de Ministros.
Naquele mesmo ano, foi aprovado o respectivo estatuto orgânico, tendo iniciado as suas actividades em 2004. Antes da criação do instituto, a nível do Ministério da Indústria e Comércio, já funcionava na Direcção Nacional da Indústria, o Departamento Central da Propriedade Industrial, que deu início ao processo da administração e protecção dos direitos da propriedade industrial.
Conforme apurámos, esta entidade tinha como objectivo principal proteger os direitos da propriedade industrial que está preceituado na Constituição da República, no nº 2, do Artigo 24 e que contempla os direitos de autor, promove a prática e difusão das letras e das artes.
A função principal deste instituto é a administração dos direitos da propriedade industrial. Portanto, a propriedade industrial é um ramo da propriedade intelectual. Abarca patentes de invenção, marcas de serviços ou de produtos. Engloba modelos de utilidade, desenhos industriais, insígnias e nomes de estabelecimentos. Também inclui logotipos, indicações geográficas e denominações de origem. É dentro deste diapasão que se segue a entrevista ao director José Jeque.
Quer dizer que o logotipo de um jornal como domingo, por exemplo, pode ser uma marca registada aqui no instituto?
Seria bem-vindo (…). As empresas devem valorizar o nome que têm…
De que forma é que o Estado protegetodas essas marcas registadas?
Quando dissemos que o Estado protege os direitos inerentes à propriedade industrial, é que se tens uma marca, por exemplo Água de Namaacha, registada no IPI, ninguém pode utilizar esta mesma marca. Há uma exclusividade. O Estado protege isso. Se alguém utilizar ou imitar comete uma infracção que é a contrafacção.
Como é punido alguém que ouse cometer uma contrafacção?
Temos o Código da Propriedade Industrial que regula essa matéria. Nós temos a Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE) que trabalha em articulação com o IPI, que averigua os factos, enquanto nós fazemos a pesquisa. Se se detectar que de facto há imitação, então a inspecção actua.
Há muitas empresas que terão feito o registo das suas marcas ou patentes?
No ano passado, o IPI registou mais de cinco mil marcas, o que significa que está a haver um crescimento. Concretamente, em 2015, registámos 5.776 direitos. Dentro desses registos, como marcas nacionais, temos 1.257 residentes no território, como não residentes 1543 e 512 renovações.
O que se considera não residentes?
Há quem não é residente e utiliza os agentes oficiais da Propriedade Industrial para fazer o registo. Para além do registo directo, se tiver alguém interessado em registar uma marca aqui, para ter validade no nosso território, tem que utilizar um agente oficial.
Quem é esse agente oficial?
São pessoas habilitadas pelo IPI. Nós, anualmente, realizamos cursos de habilitação. São pessoas que podem ser mandatários processuais de uma determinada empresa para o caso daqueles que não são residentes. Esta é uma matéria que exige certas especificidades. Temos que ter pessoas preparadas para tal. Temos mais de 200 agentes oficiais da propriedade industrial. Vamos, ainda este ano, realizar mais cursos em Nampula e Maputo para habilitar mais agentes.
No caso dos não residentes, como é que se assegura que não haja sobreposição de marcas no capítulo internacional?
Não fazemos só o registo a nível nacional. Moçambique faz parte da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), com sede em Genebra, Suíça. A nível regional, pertencemos a ARIPO. Através da OMPI, nós encontramos lá o registo internacional de direitos, com base no Protocolo de Madrid sobre marcas.
Quer dizer que através destas organizações, uma marca moçambicana não pode ser usada na Inglaterra, por exemplo?
O princípio é que tens que estar registado no teu território. Há o Principio da Territorialidade. Se pretenderes estender ao nível regional, terás que submeter o pedido a esta organização da região ou aqui através do IPI.
Então, não há possibilidade de uma marca nacional ser usada por uma empresa de fora?
Quando descobrimos, isso não tem validade.É preciso acautelar esse aspecto.
Achaque já há cultura de registo de marcas no nosso país?
Através dos números que temos, podemos afirmar que há um crescimento na compreensão do valor da propriedade industrial. Sentimos isso por parte dos agentes económicos e dos inovadores. Há um programa que é realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional no sentido de apoiar os inovadores na protecção dos seus direitos. Há jovens que inventam. Resolvem problemas práticos da comunidade. Esse programa é implementado em coordenação com o IPI. Nós, por exemplo, no ano passado, conseguimos apoiar cerca de 15 inovadores. Este ano esperamos dar apoio a cerca de 20 inovadores nacionais. Fazemos, por exemplo, a redacção dos documentos de patentes com vista ao seu registo, como passo prévio para a exploração comercial das respectivas inovações. Outro trabalho que desenvolvemos é a disseminação da propriedade industrial com vista a incentivar a protecção dos direitos através de registo e difundir as vantagens da sua incorporação na estratégia da gestão das empresas moçambicanas. Por exemplo, o Conselho de Ministros aprovou, no ano passado, no dia 22 de Dezembro, um novo Código da Propriedade Industrial.
Quais são as inovações desse novo Código?
A inovação do novo Código, Decreto 47/2015, de 31 de Dezembro, traz-nos como vantagens a possibilidade de introduzir uma melhoria da organização sistemática do Código da Propriedade Industrial. Permite também uma simplificação do processo de depósito do pedido de registo de direitos da propriedade industrial, bem como a introdução do sistema regional do registo de marcas. Traz também a harmonização do regime de recursos contenciosos em termos de prazos com a Lei 7/2014, de 28 de Fevereiro, em que se consagra o recurso tutelar. Outra novidade é a incorporação do regime de proteção de denominações de origem e indicações geográficas no novo Código.
De forma resumida, como é que define a importância do registo?
O Estado tem a Constituição e, se olharmos para o Código Civil, no nº 1, do Artigo 1303, preceitua que os direitos do autor e da propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial. Registar o direito é uma forma de valorizar aquilo que nos pertence.
Dos registos efectuados, qual é a que tem maior peso na vossa base de dados?
De todos os registos na categoria de direitos industriais, a que tem maior peso são as marcas de produtos e de serviços.
Em relação ao comércio, qual é que tem sido a tendência?
A tendência é crescente. Por exemplo a Água Vumba está registada. A Coca-Cola está registada. Alguns bancos estão registados. Gradualmente, os agentes económicos estão a valorizar a questão da propriedade industrial.
Quantas patentes existem registadas?
No ano passado, conseguimos registar 410 patentes. Recentemente realizamos seminários em Maputo e Beira com o objectivo de nos debruçar sobre o Tratado de Cooperação em matéria de patentes. A patente é o título que é atribuído a uma empresa ou alguém que tenha feito uma determinada invenção.
Para além de patentes, que outro tipo de registos fazem?
Temos os desenhos industriais. Temos vários desenhos que as pessoas submetem. As pessoas batem-se porque não se pode andar a imitar. Tens que submeter o teu desenho e ser aprovado. Tem de ser uma inovação. O Código não permite plágios.
Haverá um conjunto de empresas que conflituam pelos mesmos desenhos e marcas?
Sim, há essa tendência de querer aproximar-se do que já existe.
Conseguem detectar esse tipo de infracção?
Exactamente. Nós fazemos a pesquisa. Temos um banco de dados. Quando alguém quer fazer um registo, chega ao IPI e pede a pesquisa. Depois de feita notificamo-lo sobre a existência ou não da marca. Também damos um período para o proponente se opor, servindo-se daquilo que consta dos boletins da propriedade industrial, onde são colocados todos os nossos actos.
Tem havido, então, colisões de marcas?
Basta haver confusão, não aceitamos efectuar o registo. Por vezes, somos obrigados a dizer que a marca, que a pessoa ou a entidade está pedindo, vai criar confusão junto da população. São várias empresas a quererem registar, mas há muita tendência de querer imitar.
Nomes como Frozy e Fizz não causam confusão?
Nós temos que analisar em termos de pronúncia. Temos que ver se é da mesma classe. A legislação refere que uma marca registada considera-se imitada por outra quando a outra tiver prioridade. Refere-se a produtos e serviços idênticos. Se alguém quiser imitar o “Samsung” é uma contrafacção. Se apresentar semelhança gráfica, fonética ou figurativa é susceptível de criar confusão ao consumidor.
É possível que haja um produto no mercado que não esteja registado?
Pode acontecer e acontece. Nesse caso esse produto não vai poder defender-se. A aquisição do direito de propriedade industrial em Moçambique efectua-se através do registo. A administração do sistema da propriedade industrial compete ao Instituto da Propriedade Industrial.
Quais são as perspectivas para o presente ano?
Para o ano de 2016, o nosso objectivo é incrementar o número de registos de direitos da propriedade industrial. Até ao fim do quinquénio, pretende-se consolidar o sistema da propriedade industrial. Temos como pilar a promoção de um ambiente macroeconómico equilibrado e sustentável. O objectivo estratégico passa pela industrialização orientada para a modernização da economia e o aumento das exportações. Estamos a trabalhar no sentido de criar delegações regionais, designadamente, na Beira e Nampula. Pretendemos também até ao fim do quinquénio atingir o registo de 20 mil direitos. Para este ano, queremos alcançar o registo de quatro mil direitos. Vamos prosseguir com a disseminação da importância do registo da propriedade industrial e a capacitação institucional.
Registar cabrito de Tete
como indicação geográfica
O Instituto da Propriedade Industrial está trabalhar no sentido de melhorar a produção e processamento da carne de cabrito, ao nível da província de Tete. O camarão do Banco de Sofala, o arroz da Zambézia, são igualmente alguns dos produtos que se pretende ver valorizados, segundo o nosso entrevistado.
Que trabalho específico estão a efectuar em relação ao cabrito de Tete?
Há pouco tempo trabalhamos naquela província t e aprovamos com os produtores o caderno contendo as especificações relacionadas com o cabrito de Tete. Depois os caprinos daquela província têm características muito próprias.
Que características são essas?
A carne de cabrito tem sabor impar, por força da natureza do seu pasto, já que a região é semi-árida e o capim é seco. Os cabritos de Tete alimentam-se de malambe, fruta de embondeiro, e também de frutos de maçaniqueiras, ao contrário dos cabritos da zona sul do país cujo pasto é principalmente capim verde. Estamos a trabalhar no sentido de registar o cabrito de Tete como uma indicação geográfica. Estamos a fazer o mesmo em relação ao camarão do Banco de Sofala.
Vamos por partes. Que valor, desse modo, se pretende acrescentar no que diz respeito à produção do cabrito em Tete?
Se olharmos para o trabalho que está a ser feito pela empresa “Tetito”, que se dedica ao abate e embalagem, separando a carne com uma qualidade de assinalar, isso agrega um valor. Para além de “Tetito”, temos as Carnes do Zambeze, em Tete, como processador de carne. A carne de cabrito de Tete já é consumida na zona Sul, e é condicionada em embalagens próprias. As pessoas vêem e preferem o cabrito de Tete, porque tem características próprias da região. Nós trabalhamos com os produtores de Changara, Marara e Moatize, os quais se sentem estimulados. Temos que chegar ao ponto de levar todos os produtores a constituir uma associação. Desse modo, faremos com que eles passem a prestar muita atenção aos procedimentos, que saibam onde deverão fazer a entrega, uma vez que já existem processadores de carne. Este valor acrescentado vai aumentar a renda dos produtores. É o mesmo quando falamos do vinho do Porto, do Champanhe, que são denominações de origem.
E em relação ao camarão?
Em relação ao camarão, já fizemos o trabalho com as entidades ligadas às pescas. O camarão do Banco de Sofala, pelo seu paladar, é outra coisa, dado às características organoléticas. Comer o camarão de Moçambique é famoso. Nós temos que agregar valor a isto para que as pessoas conheçam que as qualidades do camarão daqui são diferentes do camarão do outro lugar. Esses são os primeiros passos que estamos a dar. Moçambique tem potencialidade. Imaginemos quando vamos à Zambézia, onde temos o ananás de Nicoadala. O ananás de Muxúnguè. O arroz aromático da Zambézia.
Temos arroz aromático?
Sim, temos. É um arroz que, ao se cozinhar, tem um aroma delicioso. Para quem vai a Quelimane, chegando ao mercado de Nicoadala, pode comprar esse arroz.
Em termos característicos, qual é a diferença com o arroz que muita gente está habituada a consumir?
Está no aroma. Você pode comer aquele arroz sem precisar de caril. Este é o trabalho que teremos que fazer no futuro. Neste momento, a nossa concentração incide sobre o cabrito de Tete e o camarão.
Benjamim Wilson
benjamim.wilson@snoticicas.co.mz
benjamim.wilson@snoticicas.co.mz
Fotos de Jerónimo Muainga"
FONTE: JORNAL DOMINGO DE MOÇAMBIQUE.
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