Songo é a localidade do distrito de Cahora Bassa, na província de Tete, que alberga a mais do que famosa barragem de Cahora Bassa. Trata-se de uma vila que faz uma interessante mixagem de invulgar paisagem com infraestruturas modernas e campesinas, restaurantes de tino apurado com barracas, e culinária internacional e tradicional.
Futebol, danças tradicionais, piscinas, pesca desportiva, turismo de negócio se entrelaçam nesta pequena vila de temperaturas amenas todo o ano.
Os cerca de 30 mil habitantes da localidade de Songo têm a vida em órbita da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB). Directa ou indirectamente. De dia ou de noite, algo os coloca em torno deste empreendimento que, por sua vez, agrega em si os mais variados títulos nacionais e internacionais. É um autêntico campeão.
Por exemplo, é a terceira maior barragem de África, depois de Katse, no Lesotho, e Assuão, no Egipto, possui a quarta maior albufeira do continente africano, é maior em volume de betão usado para a sua construção, entre outros títulos internacionais.
Cá dentro, ninguém discute quando a KPMG, que explora o ramo de auditoria, diz que a HCB é a maior empresa exportadora na categoria de mega projectos, que é a maior empresa de capitais privados no país e maior contribuinte de impostos, para além do galardão de maior produtor de electricidade no país.
Com estes e tantos outros predicados, a HCB funciona como um incontornável porto seguro para a população local que ali encontra oportunidades de emprego, educacionais e de formação técnico-profissional, sanitárias, de acesso à agua e energia eléctrica, e até mesmo de transporte grátis para vários destinos, incluindo de e para a cidade de Tete.
De igual modo, esta empresa é objecto de requisição permanente para visita de estudantes, profissionais, políticos e de turistas que “matam” a sua curiosidade com explicações que lhes são fornecidas pelo pessoal ligado à área de relações públicas.
Jorge Mantinosse faz parte dessa equipa de “explicadores” que às terças e quintas-feiras percorre o mesmo roteiro, presta informações sobre procedimentos de segurança individual e colectiva, responde às perguntas mais curiosas, divertidas e outras que provocam uma coceira na nuca antes de se elaborar uma resposta.
Foi este técnico que nos revelou que a época alta de visitas começa em Julho e se estende até Dezembro, quando a chuva começa a escaldar. Durante esse período, a média de turistas anda à volta de 5100 pessoas, “mas nos meses que se seguiram à reversão, em 2008, tivemos mais de 10 mil visitantes, o que constituiu um recorde”. Hoje, a média mensal é de 300 a 400 visitantes.
Mas, visitar Songo e conhecer-lhe as entranhas não é apenas realizar uma viagem. É, sobretudo experimentar sensações vão acompanhar o visitante pelo resto da vida. Daquelas que grudam na memória. Referimo-nos, por exemplo, à subida e descida da Maroeira ou a entrada da barragem, que se chama Caliote.
É que, Songo está localizada no cume de montanhas que estão a centenas de metros do nível médio das águas do mar, e o acesso só se faz “trepando” a Maroeira, que é uma elevação de curvas e contracurvas cinematográficas. Aliás, não basta ter Carta de Condução para se achar automobilista capaz de fazer aquele percurso. A adrenalina é alta. Mas, disso já falamos reiteradas vezes, assim como já referimos que só este trajecto é uma “bela fatia de um bolo” bem maior que se encontrará no topo da montanha.
PÉROLA QUASE PERFEITA
Depois da inebriante subida, se destapa o véu à vila de Songo que esbanja sossego. Na verdade, é dos lugares mais tranquilos que Moçambique possui. Ou melhor, é dos lugares mais sadios. Não há lixo nas esquinas. Não há engarrafamentos. Não há poluição sonora. Parece não haver nada. Mas há vida.
As ruas largas, os extensos separadores centrais das vias que possuem relva impecavelmente tratada, a ponto de fazer lembrar grandes estádios de futebol, os monumentos que se erguem nas praças. Tudo a convidar a vista ao deleite.
Espaçadas e bem alinhadas estão cerca de 70 casas que a actual administração da HCB construiu para os funcionários (e ainda decorrem algumas obras) e com as quais se pretende devolver a dignidade à vida dos técnicos ali afectos.
Para o gaudio das mulheres-mães, a HCB iniciou recentemente a construção de um infantário, que é uma das infraestruturas de que mais se queixavam pela sua inexistência. Também estão em curso obras na escola primária local.
Porém, toda esta modernidade é ainda flagelada pelo facto de grande parte dos 30 mil habitantes da vila viverem em encostas das montanhas ou em bairros onde os sinais de progresso emergem um pouco mais devagar. Há água e luz, aqui e acolá, mas faltam saltos na melhoria das habitações, por exemplo.
É aqui onde Songo perde parte da sua perfeição porque alguns residentes não escondem a sua ruralidade e deixam o gado, caprino sobretudo, vaguear tranquilamente pelas ruas. O bovino também aparece. O negócio de esquina é visível aqui e ali.
Apesar deste quadro, “temos recebido turistas britânicos, sul-africanos, norte-americanos, portugueses, brasileiros e alguns zimbabueanos, zambianos e malawianos”, disse Jorge Mantinosse.
Moçambicanos também fazem turismo para o Songo, “mas são poucos. Geralmente são estudantes e profissionais de áreas que tem alguma relação com os trabalhos da barragem e que submetem os pedidos com uma semana de antecedência e as visitas são gratuitas para todos. Nacios e estrangeiros”. E mesmo a propósito de estudantes, Mantinosse disse que a HCB promove excursões de alunos de quase todo o país.
PEQUENOS FURTOS E NADA MAIS
Bibiana Simone reside na vila de Songo desde 2001 e diz ter assistido às mudanças que ocorreram de lá a esta parte. Nestes últimos 15 anos, apreciou à mudança da mão-de-obra que deixou de ser maioritariamente estrangeira, para passar a ser completamente moçambicana. “Foi uma das melhores coisas que vi acontecer aqui”, disse.
Graças a esta e a tantas outras mudanças havidas, Bibiana não hesita em afirmar que “Songo é o melhor lugar para se viver em Moçambique”. Razões? Ela alinha sem pestanejar. “Tem uma melhor urbanização, boas e modernas infraestruturas, um clima muito bom. Mas, o que encanta mesmo é o ordenamento territorial. Aqui, cada coisa está no seu lugar”.
Também aprecia o facto de a HCB servir de motor da economia local e sempre haver alguém de fora a chegar para conhecer a barragem e outros tantos que afluem por causa dos jogos do Moçambola, onde Songo tem a União Desportiva do Songo que, este ano parece disposta a brigar pelo título.
Outro detalhe que salienta é a ordem e tranquilidade pública. “Há pequenos furtos e nada mais. Aqui não há assaltos à mão armada e toda aquela violência que se vê nos noticiários. Deixa-se o carro com as portas e janelas abertas. Anda-se à vontade de dia e de noite”, sublinha.
ENQUANTO ISSO…
Enquanto Bibiana Simone celebra a tranquilidade e os avanços sociais e económicos da vila, incluindo o facto de haver três bancos, Goodwin Nharuta, que é gestor do Ugezi Tiger Lodge, é um homem triste e cheio de lamentos. “O tipo de turismo que se desenvolve aqui na albufeira de Cahora Bassa, a pesca desportiva, está em agonia”.
O Ugezi Tiger Lodge é daquelas estâncias turísticas típicas. Feita no meio da floresta, junto à albufeira de Cahora Bassa. Afastada da vila. É mesmo lodge à moda antiga. Com a natureza a dar cobertura a ponto de só se perceber que se está no local, ao chegar ao estacionamento.
Segundo Goodwin, a partir de 2013 o número de turistas decaiu de forma tão acentuada que já lhe deixa desesperado. “Como podes ver, o lodge está vazio. Não temos nenhum hóspede”. E não tinha nenhum mesmo. Mas, porquê? Quisemos saber.
“Penso que o problema reside na tensão político-militar. Os turistas estão atentos ao que se passa no nosso país e as notícias sobre ataques a civis ao longo das estradas nacionais desmotivam a todos. É penoso e somos obrigados a pensar no pior até que a situação se normalize”, disse com ar de desalento.
Prova de que as coisas não vão nada bem naquela estância turística é que a ultima vez que facturaram 40 mil meticais, num final de semana, foi em Janeiro deste ano. Passam quase quatro meses. “Nós que fazíamos um mínimo de 250 mil meticais por mês, agora passamos dias às moscas. Os últimos turistas que cá estiveram saíram há dois dias e nem permaneceram por uma semana. Passaram por aqui”.
A aflição de Goodwin reside no facto daquela estância turística possuir 98 quartos que carecem de manutenção que só é possível com receitas, um efectivo de 26 trabalhadores que esperam pelos salários, entre outras despesas que se vão avolumando desde 2013, com um agravamento de 2015 a esta parte.
“Os atractivos turísticos estão aqui. Temos um barco-casa que os turistas adoram usar, temos embarcações para passeios pela albufeira, a flora e a fauna continuam no mesmo local, mas com o conflito, ninguém se dispõe a disfrutar disto”, disse, enfatizando que muitos turistas, para além da pesca desportiva, pagam para se aproximar dos locais povoados por hipopótamos e crocodilos.
Outro factor que, segundo Goodwin, concorre para a baixa afluência de turistas naquela área, é que muitos sul-africanos, zimbabueanos, zambianos e malawianos, particularmente, já possuem casas próprias em redor da albufeira. “Isso faz com que os hotéis sejam relegados a segundo plano”.
A INVESTIR MESMO ASSIM
Só não nos foi possível apurar os valores envolvidos, mas o grupo Visabeira, dono do Girassol Songo Hotel, deu início a um conjunto de obras de ampliação desta unidade hoteleira, hoje com 14 quartos e que poderão passar a ser 51, catorze dos quais suites standard.
Segundo Carlos Monteiro, director da unidade de Songo, “não sentimos o impacto directo da tensão político-militar porque o nosso segmento de mercado está virado para o turismo de negócios e muito voltado para o nosso principal cliente aqui, que é a HCB”.
O que preocupa a Monteiro é o facto de haver indicações de que a construção da Central Norte da HCB está “em banho-maria”. “Isso, sim. Preocupa-nos porque mobilizamos fundos para investir contando com a demanda que daí poderia advir. Mas, acreditamos que haverá outras iniciativas de desenvolvimento que vão precisar da nossa prontidão”, disse.
Apesar de não assumir de forma aberta que as hostilidades militares em curso estão a prejudicar os negócios por ali, Monteiro aponta que existe o risco de um dia serem agravados alguns preços porque quase tudo o que se consome naquela estância é para ali levado por via terrestre a partir da capital do país, Maputo ou da África do Sul. “Sem podermos obter os produtos por essa via, as coisas se complicam”, concluiu.
Jorge Rungo
Fotos:Naíta Ussene"
FONTE: JORNAL DOMINGO DE MOÇAMBIQUE.
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