“Deixo para vós, nova geração, os meus escritos de língua gitonga, convicto de que contribui com a minha quota-parte para a preservação do nosso idioma, um idioma que os nossos antepassados nos transmitiram, séculos após séculos, cujas flexões para o plural são feitas na base das espécies” - estas são as palavras de Momade Cabrá, 83 anos de idade, pronunciadas com olhos banhados de lágrimas no lançamento na última quinta-feira do seu livro, uma gramática da língua gitonga, idioma falado na região central da província de Inhambane.“A língua é o expoente máximo da cultura de um povo e o povo que perde a sua língua perde a sua identidade”, afirmou Cabrá na curta intervenção na cerimónia de lançamento da sua obra, cuja plateia era composta de intelectuais, onde pontificava gente como Calane da Silva, estudantes da Universidade Mussa Bin Bique, bem como da Escola Secundária Emília Dausse, convidados a testemunhar o feito de um filho da casa que deixa um legado importante para as gerações vindouras e não só.Com a língua a prender e lágrimas a escorrer o rosto, Momade Cabra, que acabava, na mesma cerimónia, de ser homenageado pelas duas instituições de ensino, afirmou que a gramática em gitonga, que elaborou durante 10 anos, foi uma tentativa de compilação de todas as regras gramaticais que conseguiu captar com o intuito de preservar uma língua nacional, precisamente nesta era conturbada da globalização.“Como complemento desta obra estou a registar as palavras deste idioma há mais de 15 anos com respectiva interpretação em língua portuguesa e vice-versa. Como já tenho mais de mil palavras traduzidas sinto a ousadia de chamar dicionário”, disse Momade Cabrá.Sobre a gramática gitonga, o autor da obra disse que no seu livro existem prefixos próprios para seres humanos, para animais, para plantas, para frutos e, como se isso não bastasse, existe ainda um prefixo próprio para novas palavras que foram inseridas no léxico de gitonga.“Isto é maravilhoso, meus senhores. Mas o nosso colonizador dizia sempre que as nossas línguas não são idiomas mas sim dialectos”, lembrou o autor da gramática. Disse ainda que pessoas da sua geração (1913) cresceram num território colonizado, sem universidade nem escolas secundárias e com apenas cerca de 30 por cento do território abrangido pela rede escolar.
“Hoje dizemos com muito orgulho que a rede escolar cobre todo o país. Temos escolas secundárias e universidades em todas as províncias, onde são galardoados quadros de diversos níveis. Agora falta-nos afirmar que o ensino das línguas nacionais é geral”, sublinhou.Para terminar, já com cara banhada de lágrimas e voz tomada pela emoção, Cabrá endereçou algumas palavras de reconhecimento à extinta Associação dos Antigos Estudantes da Coimbra porque, segundo disse, deve a este grupo parte de um conjunto de obras que já ofereceu ao seu país.
AUTOR HOMENAGEADO
Coube ao professor José Pedro Banze, docente e director da Escola Secundária 12 de Agosto de Salela, situada nos arredores da capital provincial de Inhambane, apresentar, em nome da Escola Secundária Emília Daússe e Universidade Mussa Bin Bique, a homenagem ao velho Cabrá.“A grandeza não consiste em receber honras, mas sim em merecê-las”, disse Banze, citando Aristóteles.Com esta citação José Pedro Banze, a quem igualmente recaiu a responsabilidade para apresentar a gramática gitonga, afirmou que quiseram os dois estabelecimentos de ensino tão-somente, com aquele gesto, reconhecer que a obra de Cabrá é fruto de um árduo trabalho que se acredita ser paixão pelas coisas da terra, sendo que uma delas é a língua.Segundo Banze, Cabrá, ao aventurar-se pelas questões linguísticas, materializadas com a criação de uma gramática gitonga, entra na história da “Pátria Amada” como um dos promotores da preservação da língua e da cultura nacionais.“De forma flagrante, esta obra-prima concorre para a promoção deste idioma da terra da boa gente, por isso, achamos ser meritório este reconhecimento. A gramática vai ajudar a compreender os fenómenos linguísticos tão presentes no ensino da língua”, lê-se na mensagem de homenagem.Na obra estão plasmadas as riquíssimas inflexões de nomes, verbos, adjectivos e interjeições, de provérbios de ditos e sabedorias populares e de alegres “dzitekatekane”.
Banze acrescentou que a gramática vai contribuir para uma certa síntese daquele riquíssimo idioma, vertendo-o por escrito e perpetuando também, desse modo, toda uma memória colectiva e de sobrevivência no meio de lutas e de labutas canseiras.Momade Muagi Cabrá, de seu nome completo, nasceu a 2 de Novembro de 1930 na cidade de Inhambane. Ficou órfão de pai aos três anos. É casado e pai de seis filhos. Entre muitas coisas que este escritor realizou destaque vai para a sua participação na elaboração dos Estatutos do Conselho Islâmico de Moçambique.VICTORINO XAVIER" FONTE JORNAL NOTICIAS DE MOÇAMBIQUE.
Sem comentários:
Enviar um comentário