Assim nasceu o NOVOCINE da Beira
editorial
Desta vez decidi provocar o meu
mano Augusto Macedo Pinto a
libertar algumas famosas estórias
culturais da Beira e algumas das
quais ele acompanhou porque estava
nessa altura na Beira. Ele vai-
-nos contar também como apareceu
a casa de cinema Novocine
na Beira. O que ele contou: “Falar
da Beira é falar da Província de
Sofala e a questão das culturas.
Não é por acaso que a Beira tem
o estatuto de cidade desde 20 de
Agosto de 1907, ainda tempo da
Monarquia, em homenagem ao
Príncipe da Beira D. Luís Filipe
que foi o primeiro membro da
família real Portuguesa a visitar
Moçambique. A forte tradição
cultural da Beira e da Província
pode ter como raízes o Império
do Monomotapa, a mestiçagem
de influência cultural chinesa,
indiana (com especial relevância
a goesa), árabe, portuguesa
e outros europeus, ao longo
dos séculos. Possivelmente isso
explica a forte tradição cultural
tão acarinhada até aos dias de
hoje que passa ainda pelo teatro,
pela música, pela dança e
também pelo cinema. Recordo-
-mo, por exemplo, algures entre
1964 e 1965 o então dono dos
cinemas Olímpia, Nacional e S.
Jorge (CUCA), penso que não
me engano ser o Sr. Victor Gomes
resolveu aumentar os bilhetes
de entrada de cinema. Convém
referir que a prática da ida ao
cinema na Cidade da Beira pelas
várias classes sociais de então, e
de acordo com as possibilidades
de cada um, era uma rotina e
uma necessidade, ia-se mesmo
ao cinema. A população da cidade
organiza-se e constituem
piquetes não para evitar o fura-
-greve mas para criar condições
do mínimo legal de participação
de utentes que obrigasse o proprietário
a dar o espetáculo de
cinema com grande prejuízo,
portanto era uma greve muito
sui géneris. A população não ia
ao cinema mas tinha piquetes
constituídos com os grupos mí-
nimos obrigatórios para o dono
do cinema ser obrigado a dar a
sessão com prejuízo. Face a esta
situação de alteração social da
Beira, veio a polícia de choque
da então Lourenço Marques
(actual Maputo) para pôr cobro
pela força aos piquetes. Então, a
resposta foi a cidade organizar-se
em cooperativa e construir o NOVOCINE,
ainda hoje existente.
Convém referir que em finais
da década 60 o NOVOCINE
era, à época, a melhor sala de
espectáculos quer em nível de
infraestruturas, cadeiras flexí-
veis, ecrã da melhor tecnologia
da época a nível mundial, ficando
a ser o melhor espaço de
cinema jamais existente do que
na então Lourenço Marques,
Lisboa, Luanda ou qualquer
outra cidade do domínio colonial
português da altura. Assim
nasceu o NOVOCINE da Beira.
Da Beira cultural e de gerações
recentes podemos citar Chiquinho
Conde, futebolista, Mia
Couto, escritor, Pedro Boese,
artista, Madala e Izaú Menezes,
músicos, Carlos Cardoso,
jornalista, José Rodrigues dos
Santos, jornalista e escritor
português, Maria Roeff, atriz
portuguesa e de gerações mais
antigas e que pela Província de
Sofala passaram, Zeca Afonso,
que homenageou um dos bairros
mais conhecidos da Beira, a
Xepangara com a música “Lá no
Xepangara”, António Menano
em Inhaminga, médico e fadista
de renome de Coimbra que esteve
na Província de Sofala de
1933 a 1961, Luís de Camões
que daqui partiu algures entre
1570-1580 para Portugal. Ainda
nesta Província de Sofala teremos
a primeira obra de construção
civil de todo o litoral do
Oceano Índico cujos trabalhos
de construção ter-se-ão iniciado
a 25 de Setembro de 1505. Em
1586 Frei João Santos na sua
obra Etiópia Oriental, refere
já a existência do Mikate (um
tipo de pão rural que perdura
ao longo dos séculos até à actualidade).
Temos Mikate feito de
farinha de arroz, temos Mikate
feito com farinha de meixoeira,
com farinha de milho entre
outros. Mas, temos ainda a referência
nessa obra atrás citada
e na crónica da primeira viagem
de Vasco da Gama à Índia, em
finais do Séc. XV, quando passou
por Moçambique e Sofala,
a referência aos “figos” que
vieram a ser, nem mais, sabe-se
lá quando, as bananas que ainda
hoje pelo menos nas línguas
sena e nhúngue se continuam
a chamar “figo” ou “mafigo” à
banana. Para finalizar vou parafrasear
Silva Dunduro, artista
de Sofala, “quando a cultura era
marginalizada, muitas vezes
parece que a cultura se reduz a
organização de canto e dança,
para a recepção de um grande
dirigente. A cultura é muito
mais, ela é a nossa dignidade e
o símbolo da nossa existência”.
Esta é uma parte da estória
cultural da Beira e de Sofala.”
Obrigada mano Gu pela linda
estória."
FONTE: MAGAZINE INDEPENDENTE, PÁGINA 7, EDIÇÃO 14 DE MARÇO DE 2017, JORNAL DE MOÇAMBIQUE.